Prefeito de Itabira reconhece erro, mas não corrige: novo ofício ignora falsificação de jurisprudência enviada à Câmara
Ofício “retificativo” de Marco Lage não corrige jurisprudência falsa e agrava crise

Itabira (MG) - Um episódio que mistura desinformação jurídica, tentativa de intimidação política e questionamentos éticos vem gerando repercussão nos bastidores da política itabirana. O prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), encaminhou à Câmara Municipal os ofícios 137/2025 e 138/2025, nos quais solicita providências contra o vereador Luiz Carlos de Souza (MDB) — o Luiz Carlos de Ipoema — sob a acusação de “invasão” a repartições públicas.
Para embasar o pedido, o prefeito anexou uma suposta jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No entanto, uma rápida verificação feita pela equipe de reportagem do O Folha de Minas revelou inconsistências graves: o processo citado, de número 1.0000.21.001234-5/001, não existe, e o suposto signatário da decisão é identificado como “Desembargador Fulano de Tal”.
Tribunal confirma que processo não existe
Procurado pelo O Folha de Minas, o TJMG respondeu oficialmente que:
“[...] informamos que o número do processo judicial citado, qual seja, a Apelação Cível nº 1.0000.21.001234-5/001, está incorreto e, portanto, não foi localizado na base de dados deste Tribunal.”
A revelação escancara uma manobra arriscada: o uso de uma suposta decisão judicial forjada para tentar conferir legitimidade a uma acusação grave contra um parlamentar em pleno exercício de sua função. O ato pode configurar falsificação de documento público, conforme o art. 299 do Código Penal Brasileiro, cuja pena pode chegar a cinco anos de reclusão.

Prefeito alega erro material, mas não corrige falsificação
Após a denúncia feita pelo portal, Marco Lage recuou. O prefeito enviou à Câmara o ofício 166/2025, em que alega ter cometido um “erro material” e diz que deseja retificar os documentos anteriores. Contudo, em vez de corrigir o número do processo e o nome do desembargador — como exigiria uma verdadeira retificação material — o prefeito simplesmente abandona a primeira jurisprudência e apresenta outras decisões.
Os novos julgados, contudo, não possuem relação com o conteúdo original. As decisões agora citadas tratam de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), bem diferentes da suposta Apelação Cível mencionada nos ofícios anteriores.

Um dos novos casos trazidos no ofício 166/2025 diz respeito a uma emenda à Lei Orgânica do município de Paracatu (MG), aprovada pela Câmara local, que garantia aos vereadores livre acesso a repartições públicas e prerrogativa para diligenciar diretamente junto aos responsáveis pelas repartições.
Na decisão que acolheu a inconstitucionalidade da emenda pretendida pela Câmara de Paracatu, o desembargador Alberto Vilas Boas, relator do voto divergente, chama atenção para o papel essencial da fiscalização exercida pelos vereadores. Segundo ele:
“Não se pode recusar ao Vereador a possibilidade de exercer prerrogativa que é possível de ser estendida ao cidadão, dentro da perspectiva proposta pelo art. 5º, XXXIII, CF, e as regras previstas na Lei de Acesso à Informação.”
E segue:
“O direito inerente ao parlamentar de obter informações e esclarecimentos que possam contribuir para a mais ampla fiscalização dos atos do poder público não pode ficar subordinado somente a um momento futuro — o do controle externo que o Poder Legislativo exercerá quando receber o parecer do Tribunal de Contas — que, nem sempre, é síncrono com a falha ou ilegalidade cometida pela Administração.”
Embora o voto tenha sido vencido no julgamento, o posicionamento do desembargador reforça a visão de que a atuação fiscalizatória dos parlamentares é fundamental para a transparência e o controle do poder público — o que, ironicamente, contradiz o objetivo do prefeito ao citar o caso.
Fiscalização incomoda o Executivo
O vereador Luiz Carlos de Ipoema tem sido uma das vozes mais ativas na fiscalização das ações da Prefeitura. Ele vem apurando contratos, obras e denúncias envolvendo a gestão municipal. Até o momento, não há qualquer prova de que tenha ultrapassado os limites legais de sua função ou invadido áreas restritas da administração pública.
Nesse contexto, os ofícios encaminhados por Marco Lage parecem mais uma tentativa de intimidar o parlamentar e limitar sua atuação, do que uma ação amparada na legalidade.
Câmara deve reagir ou silenciar?
Agora, a responsabilidade está nas mãos da Mesa Diretora da Câmara Municipal. Diante da constatação de que a jurisprudência apresentada era falsa, e de que não houve uma correção real por parte do prefeito, o Legislativo deve decidir se exigirá os dados corretos da suposta decisão citada inicialmente, ou se permitirá que o caso seja contornado com um ofício genérico e sem reparos concretos.
Trata-se de um teste de integridade institucional: vai a Câmara agir em defesa da legalidade e da autonomia parlamentar, ou optará por fazer vista grossa diante de uma manobra que pode configurar crime?
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