Coluna

SOBRE NOSSAS SELFIES

Juiz de Fora (MG) - Andando no shopping, surpreendi uma jovem colocando a câmera do seu celular em posição frontal, como se estivesse preparando um tiro para algum lado e, imediatamente, exibiu um sorriso no rosto e clicou sua foto. Seus dedos, rapidamente, a colocaram em alguma página, com o seu sorriso de felicidade. O que de curioso me fez da cena foi que logo após a foto, e da postagem, seu rosto não estava mais iluminado, estava triste e ela, sozinha no banco, virou o rosto para a parte inferior do shopping e continuou a olhar para o nada, como se a foto tivesse sido uma mera interrupção da sua solidão.

Ao tirar sua selfie, sorrindo, procurou mostrar para o seu mundo de amigos que estava bem e, com certeza, depois curtiria os likes que apareceriam, ou talvez recebesse outros sorrisos e todos imaginariam aquela segunda vida feliz.

O que nossos selfies podem dizer de nós mesmos?

Eles retratam nossa felicidade sempre eterna, parecendo a todos que estamos bem, vivemos bem, estamos felizes com nossas vidas ou, apenas, escondem no sorriso uma felicidade que não estamos sentindo.

Foto de Scotty Turner na Unsplash - 

Quem sabe, se estivesse em uma boa companhia a curtiria ou também enviaria um selfie do companheiro para mostrar que estavam bem? Talvez os dois voltassem para alguma discussão que nada teria a ver com o sorriso para o celular.

A câmera do celular é um cabide, uma muleta que nos leva pendurados ou arrastados para um mundo que não existe. Nós carregamos para dentro do mundo virtual aquilo que queremos sentir e ser.

Antes era preciso sair às ruas para ver e se ver, passeando pelas calçadas, indiferente, mostrando uma personalidade forte que não temos, e aquele ou aquela que se aproximasse, ou sofresse a nossa aproximação, encontrariam os seus selfies, até descobrirem o que está atrás das belas estampas e dos sorrisos de sedução.

Não basta, tão somente, sairmos às ruas para exibir a roupa nova ou o novo penteado. Nossas selfies são construídas em algum lugar, ultrapassaram as ruas e chegaram por outros atalhos às pessoas do nosso convívio.

Temos uma proximidade virtual tão grande que, guardadas as impunidades de mostrar nossos sentimentos reais, e tão absurdamente gritantes, nos decepcionamos quando conhecemos, de verdade, aqueles que nos cercam. O que é melhor? Conhecer os sentimentos dos amigos, muitas vezes, nos encontros casuais, ou tê-los sempre ao nosso lado, colocando tudo o que sentem e nos desagradam, mostrando seus selfies internos para nossos gostos e desgostos?

O celular vibrou e a garota do shopping olhou a tela, leu alguma coisa, escreveu outras, mas o sorriso não veio ao rosto, e continuou ali, à espera, e talvez nem ela saiba por quê.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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