Economia

Startup é para os que não vieram ao mundo a passeio

Maturidade empreendedora é encarar a realidade: maioria dessas empresas vive em média apenas 4 meses

Mesmo que reconheçamos o momento mundial fértil ao empreendedorismo, não há qualquer garantia de sucesso. Vemos uma avalanche de iniciativas para fomentar a criação do ecossistema. Algumas abordando apenas um estágio do processo, outras se propondo a suportar a coisa do início ao fim.

Na órbita dessa atmosfera, digamos, positivista, disruptiva, desbravadora e um tanto quanto revolucionária, temos desde indivíduos dispostos a legitimamente construir um mundo novo e alicerçar o futuro, como também indivíduos deliberadamente oportunistas com o objetivo de criar, embrulhar e vender algo o mais rápido quanto possível, além de uma quantidade de outros indivíduos despreocupados com o início ou com o fim, mas sim com o plano de monetizar o meio, ou seja, faturar com a promessa de conduzir o pequeno empreendedor pelo braço através do sinuoso caminho das startups, mas sem deixar de cobrar 'pedágio' por cada estágio de avanço.

É inegável que qualquer que seja o posicionamento nesse ecossistema, pode haver ganho, nem que esteja exclusivamente ligado ao aprendizado. E isso é válido, contanto que você tenha definido claramente suas expectativas. O pior cenário ocorre quando o indivíduo se joga cegamente nessa onda empreendedora sem ter feito o dever de casa.

Entender o risco de empreender e verificar se esse nível de risco é pessoalmente tolerável é crucial. Refiro-me a múltiplos riscos, que passam pela saúde financeira da família, pela interrupção e desvio de uma carreira planejada ou mesmo pela exposição psicológica diante de uma frustração futura. Tudo precisa ser levado em conta.

Validar a proposta de valor é chave para fazê-lo recuar ou apostar todas as fichas em um novo negócio. Em tempo de startup, o que todos parecem procurar é o tal do novo unicórnio. Trata-se de um negócio tão potencialmente grandioso que seu valuation pode superar a cifra de um bilhão de dólares. Portanto, sem desmerecer os demais, não estamos aqui nos referindo aos negócios que não possam ser escaláveis, mesmo que estes tenham lá seu valor social ou mesmo econômico. Estamos falando de ideias com o potencial de transformar a forma como pessoas e empresas funcionam. Negócios que oferecem soluções para problemas globais ou mesmo problemas de nicho cujo impacto é tão significante que sua contribuição e avaliação ganham proporções inimagináveis.

Eu mesmo convivo com um bloco de notas ou mesmo cópias de folhas de Canvas na gaveta do escritório onde, vez por outra, arrisco capturar ideias que surgem do nada e que, no primeiro instante, parecem tão grandiosas que fazem o entusiasmo tomar conta da razão. Mas então quando a calmaria é retomada e a análise lógica volta a prevalecer, lá vou eu validar a proposta de valor e me frustrar novamente com a visão de um pangaré de segunda linha ao invés do tal do unicórnio. É quando então arquivo a ideia, esvazio a mente e volto à labuta até que outra ideia surja.

O percurso entre o nascimento de uma ideia, seu desenvolvimento, sua monetização e sua bem-sucedida operação ou mesmo venda, é complexo. Tão complexo quanto ter um filho aplicado que se destaca na escola jogando futebol (aqui estou falando de mim novamente) e acreditar que ele possa ser o próximo Neymar. Aliás, eis uma ótima analogia. Vocês realmente acreditam que o Neymar seja único em sua geração? Que quem o moldou o fez de maneira totalmente planejada, controlada e que seu sucesso seria evidente quando ainda tinha 9 anos de idade!? Ledo engado. Assim como com as startups, é muito provável que na mesma geração do Neymar, dezenas, senão centenas de jovens jogadores ao redor do mundo tivessem habilidades similares, mas que ao longo do percurso não foram favorecidos pelos mesmos vetores que levaram o Neymar a se tornar o melhor e mais bem pago jogador de futebol da história.

Tem gente fazendo tudo errado:

1. Investindo em ideias não escaláveis;

2. Propondo a mesmice ou derivações de ideias requentadas;

3. Fazendo valuation às cegas;

4. Diluindo demais e muito cedo;

5. Inchando a estrutura de custos;

6. Usando investimento anjo para desenvolver o Minimum Viable Product (MVP);

7. Ignorando o burn rate para fins de planejamento e captação;

8. Captando para aprimorar o produto e esquecendo de tracionar;

9. Planejando monetização sem fundamento;

10. Ignorando as possibilidades de pivotagem.

Assim como ocorreu com o jogador, a startup tem que ter uma proposta de valor com fundamentos diferenciados e que resolvam um "job to be done" relevante para o maior número possível de pessoas ou empresas. Ela precisa estar no momento certo de mercado para que possa ter seu valor percebido (lembro-me de produtos fantásticos lançados fora do seu tempo e que, por isso, não vingaram na época, mas apenas anos depois). O negócio precisa ter os sócios certos e que reúnam confiança, alinhamento de valores, alinhamento de visão, alinhamento de timing, alinhamento de apetite de risco, complementariedade de competências e multiplicidade de redes de relacionamento. Como se não bastasse, tudo isso ainda não servirá de muita coisa se o negócio não for suportado por uma plataforma de fomento ao empreendedorismo que preencha lacunas estratégicas, táticas e operacionais para dar forma e polimento ao 'diamante bruto', tornando-o potencialmente atraente e visível aos investidores certos.

Agora volte a imaginar o jogador Neymar. Descoberto ainda criança, o que poderia ter sido dele hoje se não tivesse recebido o apoio dos pais para seguir treinando. Se por isso não tivesse sido visto por um olheiro. Se o olheiro não tivesse uma boa análise fundamentalista e relacionamentos em clubes de futebol sérios. Se os clubes não tivessem contado com advogados que soubessem preservar os direitos mútuos. Se o jogador não tivesse realizado apresentações consistentemente exemplares e tido ainda a sorte de estar de fora de momentos infelizes que poderiam atribuir a ele um rótulo depreciativo. Se ele não tivesse sobrevivido aos marcadores inescrupulosos que poderiam tê-lo feito quebrar, literalmente, pondo fim a sua carreira. Se ele não tivesse ganhado a visibilidade internacional de partidas primorosas. Se ele não tivesse sido um expoente na posição em que joga pelos times por onde passou e onde não havia concorrente à altura.

É mesmo desanimador pensar que se alguns desses vetores citados tivessem falhado, o melhor jogador de futebol da atualidade poderia nunca ter se tornado jogador de futebol profissional. É assim que esse mundo das startups funciona. Um percentual muito pequeno de negócios tem fundamento com potencial de unicórnio, mas, além disso, só aqueles que transpuserem todos esses outros obstáculos no caminho, terão de fato a chance de se tornarem um negócio de mais de um bilhão de dólares.

Um recente estudo estatístico publicado por Patrick Negri revela a crueldade da relação entre mortalidade e geração de receita delas. Seu gráfico gerado em um universo de cinco mil registros demonstra que a grande maioria das que morrem nunca chegam a mais de 25 mil reais de receita mensal. Analisando a amostragem por amplitude interquartil, ele revela e conclui que mais de 50% delas possui um tempo de vida médio de 4 meses e que apenas 25% consegue sobreviver além de 11 meses. Outra revelação gerada pela análise foi de que a grande maioria das startups no Brasil também não consegue sair do lugar e gerar mais que mil reais de receita por mês. Outra parcela cresce devagar demais e acaba morrendo.

Esse desfecho nos leva a conclusão de que empreender não é para todos. É para os que têm a mentalidade de desafiar o status quo. Para os que querem ver seus ensinamentos acadêmicos, profissionais e de vida, aplicados e transformados em valores ainda maiores. Para os que são curiosos. Para os que são inconformados com a ineficiência, com o comodismo e com o marasmo. Definitivamente, Startup é para os que não vieram ao mundo a passeio.

Marcos Semola é Executivo de TI, Especialista em Governança, Risco e Conformidade, Professor da IBE-FGV, Escritor, Palestrante, VP Membro do Conselho de Administração da ISACA e Mentor de Startups

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