Vacina contra zika da USP avança com bons resultados em testes pré-clínicos
Pesquisadores usam plataforma já aplicada em imunizantes para HPV e hepatite B; testes em humanos dependem de financiamento

São Paulo - Uma vacina experimental contra o vírus zika desenvolvida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) apresentou resultados promissores em testes com camundongos. O estudo é conduzido no Instituto de Medicina Tropical (IMT), da Faculdade de Medicina da USP, e aponta eficácia na produção de anticorpos e na prevenção de sintomas e lesões associadas ao vírus.
Os testes foram realizados em camundongos geneticamente modificados para maior suscetibilidade à infecção. Os resultados indicam que o imunizante foi capaz de bloquear a replicação do vírus, impedindo o avanço da doença nos animais. Além disso, os pesquisadores conseguiram verificar proteção em diversos órgãos, como cérebro e testículos — áreas críticas quando se trata do zika vírus.
A vacina utiliza a tecnologia de partículas semelhantes ao vírus (VLPs, na sigla em inglês), plataforma já adotada em vacinas como as de HPV e hepatite B. Essa estratégia dispensa o uso de adjuvantes, substâncias que potencializam a resposta imunológica, tornando o imunizante potencialmente mais seguro.
A equipe também emprega biotecnologia baseada em sistemas procarióticos, com produção feita em bactérias. Esse método permite alto rendimento, embora exija controle rigoroso para evitar toxinas bacterianas.
Experiência e base tecnológica
O pesquisador responsável pelo projeto, Gustavo Cabral de Miranda, participou entre 2014 e 2017 da equipe do Instituto Jenner, da Universidade de Oxford, que desenvolveu a plataforma da vacina de vetor viral usada posteriormente na vacina da AstraZeneca contra a Covid-19.
“Lá estudamos o ChAdOx1 (um adenovírus de chimpanzé alterado em laboratório) para aplicações em malária, zika, chikungunya, entre outras. E isso gerou tanto conhecimento da capacidade da tecnologia que, quando surgiu a pandemia, surgiu um financiamento muito grande e a tecnologia avançou de maneira muito rápida em direção às aplicações práticas”, contou Miranda à Agência Brasil.
O imunizante da USP usa como antígeno uma parte da proteína do envelope do zika (EDIII), responsável pela ligação do vírus a células humanas. Esse fragmento, inserido na estrutura das VLPs, estimula a produção de anticorpos específicos.
Próximos passos e desafios
Com os testes em animais concluídos, o grupo agora busca financiamento para iniciar os ensaios clínicos com humanos. Essa fase exige um investimento milionário e estrutura laboratorial avançada.
Enquanto aguarda recursos, a equipe também testa outras abordagens, como vacinas baseadas em RNA mensageiro e diferentes estratégias de imunização. Até o momento, o projeto conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Toda e qualquer produção de vacina é um processo não tão simples. Para montar uma planta, como a gente diz na ciência, montar uma fábrica de produção de vacina, sempre vai haver essa necessidade de buscar mudanças. Hoje o mais comum são fábricas de vacinas tradicionais. Então, naturalmente, o que tem mais chance de avançar são pesquisas com vacinas tradicionais”, explica Miranda.
Segundo o pesquisador, o avanço da tecnologia de vacinas no Brasil depende da ampliação da infraestrutura e da continuidade de investimentos públicos e privados. “Se não for agora ou daqui a dez anos, mas que a gente precisa ter essa continuidade, seja curto, médio ou longo prazo.”
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