Coluna

QUANDO CHEGA A NOITE

Matteo Modica/Unplash

Quando a noite é chegada, e as suas sombras me envolvem como uma mãe preocupada, eu fico pedindo que ela nunca mais vá embora, porque assim como as mães, necessitamos dela para as nossas conversas íntimas e chorosas.

A noite desce como as asas de um anjo sombrio, mesmo que as luzes da cidade se abram em festejos. Como se a iluminação delas, simplesmente, fosse o oásis que bruxuleia no deserto negro. 

Quando a noite chega é o momento de parar o dia do trabalhador que retorna à casa levando esperança ou desencanto, a esperar a alegria de pequenos braços que o enterneçam ou para resolver os problemas que deixou esperando.

Quando a noite chega, o mal invade as ruas, são olhos sombrios a esperar nas esquinas escuras, são personagens que invadem as calçadas exibindo na escuridão escondida corpos mentirosos que não sobreviveriam à luz do dia.

Quando a noite chega, os namorados se encontram, os amigos festejam e os inimigos se procuram. Tudo na noite é suave, tudo na noite é segredo, e os sons das igrejas invadem o mundo, e os mundanos se afogam em bebedeiras.

Quando a noite chega eu posso, finalmente, entrar na tua rua, andar sorrateiro pelos muros das noites sem luar e olhar escondido a luz do teu quarto como se fosse a única lua a iluminar a escuridão que a minha timidez se torna minguante. Imagino que seus olhos sejam as luzes das estrelas brilhantes, que são mudas, que são tão longínquas, assim como a elas e a você o meu silêncio se acostuma.

Como seria a noite se somente a nós dois pertencesse? Estaríamos escondidos de todos, e eu ascenderia na luz da sua janela para espiar como você dorme, se recolhe, que roupa veste ou com que perfume se incendeia.

A noite é pródiga nos seus horários, e, como a morte, sempre chega. A noite é inevitável, e por ela a espera nunca é esperança, mas sempre certeza.

Somos dois a conversar no silêncio. O meu tentando imaginar palavras que eu nunca vou dizer. O teu, o das estrelas, que por seus olhos falam, tão longe que não consigo ouvir. Se no abraçar da noite minha alma pudesse voar até você, estaria também em silêncio a cantar por dentro e só pulsaria.

Quando a noite chega é que eu vivo o dia, é quando a espera tão longa termina e eu posso, escondido sempre, conversar com você, mesmo que não haja resposta tua, porque as minhas perguntas serão sempre as mesmas, que assim como a noite chega a abraçar as gentes, as minhas perguntas e as suas respostas ausentes são as constelações a suprir essa conversa muda. São como as conversas maternas que não solucionam nossos problemas, mas que tanto precisamos para iniciar o outro inevitável dia.

Quando a noite chega, os meus pensamentos que foram revoltos na luz do dia, finalmente se acalmam, tendo em você seu único guia. 

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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