Internacional

Morre Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e símbolo da esquerda latino-americana, aos 89 anos

Com câncer de esôfago, líder uruguaio faleceu em seu sítio; ele ficou conhecido pelo estilo de vida simples, pela luta pela justiça social e pela defesa da integração latino-americana

Pepe Mujica
José Cruz / ABR - 

Brasília - O ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, vítima de um câncer de esôfago. Ícone da esquerda latino-americana e admirado internacionalmente por seu estilo de vida austero, Mujica estava recolhido em seu sítio nos arredores de Montevidéu, onde cultivava flores e hortaliças.

Conhecido como o “presidente mais pobre do mundo”, Mujica se destacou tanto por sua trajetória política quanto por sua filosofia de vida, marcada por valores como solidariedade, simplicidade e consumo consciente. Ele governou o Uruguai entre 2010 e 2015 e foi referência em políticas progressistas, como a legalização da maconha, o casamento igualitário e a descriminalização do aborto.

Durante sua gestão, o país viu a pobreza cair de 39% (em 2004) para 11,5% (em 2015), segundo dados citados pelo historiador e professor da Universidade de Brasília (UnB), Rafael Nascimento. O governo também ampliou os programas de transferência de renda, aumentou o salário mínimo e distribuiu laptops para estudantes e professores.

Guerrilheiro e sobrevivente da ditadura

Nascido em 1935, Mujica integrou o grupo guerrilheiro Tupamaros, que enfrentou a ditadura civil-militar uruguaia nas décadas de 1960 e 1970. Por sua militância, foi preso quatro vezes, passou cerca de 14 anos na cadeia, foi baleado seis vezes e ficou por anos em solitárias. Sua história inspirou o filme Uma Noite de 12 Anos, de Álvaro Brechner.

Em entrevistas, relatava como sobreviveu ao isolamento extremo dialogando com animais. “Se você pegar uma formiga e colocá-la perto do ouvido, vai ouvi-la gritar. Isso eu aprendi no calabouço”, disse ao jornalista Emir Sader. Em outra ocasião, contou que dividia migalhas de pão com uma ratazana.

Após a redemocratização, fundou o Movimento de Participação Popular, braço da coalizão de esquerda Frente Ampla, que o levou ao Congresso Nacional e depois à Presidência. Em 2019, foi eleito senador, mas renunciou ao cargo em 2020 para evitar riscos durante a pandemia de covid-19. “Há uma hora de chegar e uma hora de partir na vida”, declarou ao se despedir.

Defensor da integração latino-americana

Pepe Mujica foi um firme defensor da união entre os países da América Latina. “Ou nos integramos, ou não somos nada”, afirmava, ressaltando que a região representa apenas 7% da população mundial e precisa se unir para preservar sua soberania.

Durante a Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, realizada em outubro de 2023 em Foz do Iguaçu (PR), Mujica alertou que, historicamente, os países do continente sempre priorizaram relações com potências europeias, deixando de lado a articulação regional. “Para defender a pouca soberania que nos resta em um mundo cada vez mais global, se não nos unirmos, não existimos”, disse.

Reconhecimento

Em dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Mujica em seu sítio para condecorá-lo com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria do Brasil concedida a estrangeiros. Emocionado, Lula afirmou: “Essa medalha que eu estou entregando ao Pepe Mujica não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai. É pelo fato de ele ser quem é”.

A morte de Pepe Mujica ocorre meses antes da posse do novo presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, da Frente Ampla, eleito em novembro de 2024, marcando o retorno da centro-esquerda ao poder no país.

“Me dediquei a mudar o mundo e não mudei nada, mas me diverti. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de mudar o mundo para melhorá-lo. E dei sentido à minha vida”, declarou Mujica em uma de suas últimas entrevistas, ao jornal El País, em novembro de 2024.


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