
Rio de Janeiro - Eu ainda era um jovem jornalista (com muito cabelo e pouco juízo) quando a assessora de imprensa, Eulália Figueiredo, me apresentou a Leci Brandão, num boteco na 28 de Setembro, em Vila Isabel.
Leci foi uma das mulheres mais inteligentes que conheci. Depois daquele dia, nos encontramos outras vezes e, a cada encontro, minha admiração pela artista aumentava. “Fico emocionada quando os mais jovens dizem que têm em mim uma referência”, afirmou a sambista.
Prestes a completar 81 anos, Leci Brandão da Silva nasceu no dia 12 de setembro de 1944, no bairro de Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, berço de duas das mais tradicionais escolas de samba, a Portela e o Império Serrano, mas foi criada em Vila Isabel, terra natal de dois dos mais respeitados sambistas cariocas, Noel Rosa (1910-1937) e Martinho da Vila, em uma casa de cômodos no número 399 da Boulevard 28 de Setembro.
Leci Brandão, é uma sambista que sempre utilizou sua arte para dar voz às lutas de seu povo. Cantora conhecida por suas canções de cunho social e político. Ela é uma figura icônica do samba e do ativismo, com um longo histórico de envolvimento em causas como direitos civis, direitos humanos e não violência.
A cantora é uma figura emblemática na música popular brasileira, reconhecida por sua voz distinta e letras que frequentemente abordam questões sociais, raciais, políticas e de gênero, além de sua participação em protestos e manifestações ao longo de sua carreira.
Pioneira, em 1971, ela se tornou a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira, uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio de Janeiro. Leci foi, também, a primeira mulher negra e homossexual a se declarar publicamente como tal, em entrevista ao jornal ‘Lampião da Esquina’, em 1978.
Sua carreira é marcada por um forte engajamento político e cultural. Suas letras trazem reflexões sobre a vida nas comunidades, as dificuldades enfrentadas por pessoas marginalizadas e as lutas por igualdade e justiça social.
Além da carreira musical, Leci Brandão também se dedicou à política, tendo sido eleita deputada estadual por São Paulo pelo PCdoB. Foi a primeira mulher negra a cumprir quatro mandatos consecutivos na Alesp. “O povo de São Paulo tem muito respeito pela minha história. Minha formação intelectual é muito pouca. Não tenho formação acadêmica ou diploma universitário. O que sei, aprendi com minha mãe, Dona Lecy. Foi ela quem me ensinou o que é certo e o que é errado”, afirmou a sambista, que, em 2002, trocou o Rio por São Paulo.
Sua mãe era servente. “O trabalho da minha mãe era varrer a sala de aula. Ela varria e eu, filha única, ajudava. Varríamos de manhã, à tarde e à noite, para a turma do supletivo”, diz, com orgulho.
"Zé do Caroço", seu samba mais conhecido, foi composto originalmente por Leci em 1978, mas a cantora só conseguiu gravá-lo em 1985, a música foi rejeitada pela PolyGram por seu conteúdo social. A canção conta a história de José Mendes da Silva, líder comunitário que morava no Morro do Pau da Bandeira, em Vila Isabel, e instalou um sistema de som em sua casa para transmitir notícias e eventos para a comunidade, tornando-se uma espécie de comunicador local.
Entre seus sucessos, destacam-se, além de "Zé do Caroço", "O Destino do Pescador", "Só Quero Te Namorar", "Isso é Fundo de Quintal", entre outros.
Ao todo, ela já gravou 24 álbuns, entre compactos, LPs e CDs. O primeiro deles, um compacto duplo, foi Leci Brandão (1974), com quatro canções. Já no ano seguinte, lançou seu primeiro disco, Antes que eu volte a ser nada, com 12 músicas. Dessas, oito são dela. Com Cadê Marilza (1975), conquistou o segundo lugar em um festival universitário da extinta Gama Filho, em Piedade, no Rio. Em 1980, participou de outro festival: o MPB-Shell, da TV Globo. Ficou entre as 20 finalistas, com “Essa tal criatura” (1980), de sua autoria. A vencedora do festival daquele ano foi “Agonia”, composta por Mongol (1957-2021) e interpretada por Oswaldo Montenegro.
Em 1996, Leci interpretou a líder quilombola Severina, na novela Xica da Silva, da extinta TV Manchete.
E não parou por aí. Na última sexta-feira, 27/6, o ConsUni concedeu a cantora o título de Doutora Honoris Causa, por sua atuação no avanço e na promoção do conhecimento e desenvolvimento de ações que causam impacto social e político, especialmente em temas como educação, direitos humanos, igualdade e inclusão.
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