PM de Santa Catarina aposenta compulsoriamente primeira major travesti
Lumen Müller Lohn atribui decisão a preconceito e promete recorrer
Rio de Janeiro - Lumen Müller Lohn, major travesti da Polícia Militar de Santa Catarina, foi aposentada pelo governo daquele estado de maneira compulsória. A decisão, segundo o governador Jorginho Mello (Partido Liberal), publicada no Diário Oficial no dia 4/4, atendeu o parecer do comando da PM, alegando que a oficial travesti “não tem habilitação para fazer parte do quadro de oficiais”.

O parecer do conselho da corporação mencionou “questões de ordem comportamental” e “inconstância laboral”. A major, disse a PM, tem diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção - TDAH - e Transtorno Afetivo Bipolar - TAB -, necessitando de afastamentos para tratamento. A Lumen foi julgada por colegiado integrado por três homens. E a aposentadoria compulsória “acatou pareceres técnicos e jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado e do próprio Conselho de Justificação da Polícia Militar”.
A major travesti reagiu afirmando que o ato foi desfecho de “preconceitos empilhados”. Ela discordou da alegação de “incompatibilidade para continuar na ativa”, justificativa considerada válida, conforme legislação vigente, e por isso, ocorre a determinação de que se afaste do serviço ativo e passe para a reserva.
“É meio ridículo eu ser forçada a parar de trabalhar. É desperdício da minha capacidade laborativa, inclusive. Fora a questão da promoção. Eu sou major, hoje, e tenho mais duas promoções e, com elas, o aumento de salário”, afirmou Lumen Müller.
E acrescenta: “Se a gente olhar lá as razões pelas quais eu não fui promovida é porque eu tive alguns afastamentos médicos durante um tempo. Alguns de dois anos. É bastante tempo, eu concordo. Mas, isso não afeta a minha capacidade de trabalho. Então, é uma série de pequenos preconceitos que foram empilhados até chegar nesse ponto”.
A major Lumen, primeira oficial travesti da Polícia Militar de Santa Catarina, denunciou que teve a promoção para tenente-coronel negada por oito vezes. Ocorreu após o início da transição de gênero. Três dos processo de habilitação para promoção ocorreram entre maio e novembro de 2022. O Conselho de Justificação alegou que a oficial não foi habilitada para as promoções “em razão do conceito moral desfavorável”.
“Para mim - manifestou a oficial travesti - ficou muito claro que o problema é a minha transição de gênero, embora eles não possam falar sobre isso. Eles sabem que isso seria muito ilegal, então ficam arrumando outras coisas”. Lumen se descobriu mulher trans em agosto de 2022 e iniciou sua transição no mesmo ano. No mês 9 começou o processo de retificação dos documentos e terapia hormonal. Com isso, a comunicação oficial da mudança à PM ocorreu em janeiro de 2023.

O caso de Lumen se assemelha à de Bruna Benevides, a primeira mulher trans da Marinha brasileira. Em 2017, 2º sargento Bruna sofreu um processo de reforma compulsória por ser considerada “incapaz” - uma espécie de aposentadoria por invalidez - de continuar exercendo suas atividades. No mesmo ano ela entrou com um processo judicial e foi autorizada a continuar trabalhando.
Na época, a transgeneridade de Bruna era tratada como uma doença. Apenas em junho de 2018 a Organização Mundial da Saúde - OMS - retirou o termo “transexualismo” da Classificação Internacional de Doenças - CID. Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal - STF - decidiu pelo reconhecimento de atos de homofobia e transfobia como crime de injúria racial. Essa medida complementou a decisão de 2019, quando a Corte já havia equiparado esse tipo de discriminação ao crime de racismo.
Afirmando de maneira categórica que “eles não me querem coronel”, a oficial travesti disse à imprensa local que “Sou a Lumen, travesti, major da Polícia Militar de Santa Catarina e professora voluntária de matemática no Projeto Integrar. Sou casada com Lisiane. Também sou mãe de três crianças maravilhosas. Gosto de programação e redes de computadores. Sou motociclista e sempre que tenho um tempo livre saio para dar uma volta. Moro em Santo Amaro da Imperatriz com a família e juntas somos tutoras de três gatos e uma cadela”.
Sobre a aposentadoria, disse a travesti: “Eu não esperava essa repercussão, nem que fosse receber apoio de tantas pessoas. Isso me traz a certeza de que estou no caminho certo, que a luta não é só por mim, mas por todos que desejam uma sociedade justa e igualitária”.
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