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Praia de Minas não é utopia

Praia de Minas não é utopia. Está no imaginário dos mineiros que frequentam praias do Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro (Foto:Divulgação)

- Marineth, os mineiros estão de “calça arriada” ou, se preferir, de “calça curta”, desde o fim da ferrovia Bahia-Minas que lhes garantiria saída para o mar e, consequentemente, o sonho de serem donos de uma praia. Sensibilizado com relevante questão aderi à campanha da luta pelo direito adquirido de Minas Gerais ter sua cota no litoral que banha o Brasil. A sua participação nessa causa nobre será de grande importância para ajudar a quebrar o estigma do bairrismo que causa discriminação entre o povo brasileiro. A minha motivação em defesa do caso se apoia no legado da reportagem “Olha aí o mar de Minas”, de Fernando Brant, na revista O Cruzeiro, em 23/5 de 1973. E na música dele, “Ponta de areia”, em parceria com Milton Nascimento. A ouço constantemente na voz de Nana Caymmi e Elis Regina, além do próprio Bituca.

- Athaliba, à sua convocação, seja prá que for, digo sim. Que ninguém nos ouça: sou tua “a vela que acende, a luz que se apaga, a beira do abismo, o tudo e o nada”, como cantou Raul Seixas. A música, parceria com Paulo Coelho, teve inspiração na leitura de Bhagavad gita, texto da cultura indiana, escrito no século quatro antes de Cristo. Mas, por favor, me inteire sobre o caso. Como Minas Gerais poderia ter saída para o mar e os mineiros desfrutar de praia própria?

- Marineth, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais - ALMG - retomou a discussão sobre a reativação da ferrovia Bahia-Minas, sob argumento de possível recurso proveniente de acordo judicial. A verba viria de acerto a ser fechado devido ao rompimento da Barragem do Córrego do Fundão, em Mariana. E, no bojo do debate, ecoa nos atritos dos trilhos e nos sinais da fumaça da máquina do trem, alimentada a carvão, a cobrança da aquisição da faixa de terra equivalente a 12 Km de largura por 142 Km de extensão no extremo Sul da Bahia. O governo mineiro, à época da transação, pagou a quantia de 300;000$000 - trezentos contos de réis -, valor estimado nos dias de hoje em R$ 36 milhões.

- Athaliba, como tudo isso começou? 

- Marineth, seguinte: D. Pedro II, em 26/8 de 1880, sancionou a lei imperial que autorizou a construção da Estrada de Ferro Bahia-Minas Gerais. Como incentivo à obra pela iniciativa privada concedeu seis km de terras devolutas em cada uma das margens dos trilhos à Companhia de Estrada de Ferro BA-MG. A ferrovia ligava Ponta de Areia, no território baiano, a Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. O primeiro trilho foi fixado em 16/5 de 1881 e, dia 8/10 do ano seguinte, houve a primeira viagem num trecho ferroviário entre os dois estados. A inauguração aconteceu 9/11 de 1882, com o trecho concluído entre Caravelas (BA) e Serra dos Aimorés (MG). A estação Teófilo Otoni foi inaugurada em 3/5 de 1998. E a ditadura empresarial-militar que se instalou no Brasil em 1º de abril de 1964, após golpe no governo João Goulart, deu fim à ferrovia, em 1966.

- Onde se encaixa a praia de Minas Gerais nesse emaranhado caso, Athaliba? Essa praia não passa de utopia!

- Marineth, os mineiros pagaram e não levaram a saída para o mar. Era o trecho que seguia o leito da antiga Cia. da Estrada de Ferro Bahia-Minas. Já na República, o governo de Minas pagou ao Banco de Crédito Real do Brasil, mas, não ao governo da Bahia, após falência da empresa ferroviária. E a instituição bancária teve liquidação forçada, depois. “A faixa da ferrovia estava hipotecada ao agente financeiro como garantia para contração de empréstimo”, como explica um especialista tributário. Ele garante que “mesmo que o banco tenha sofrido liquidação, alguma instituição o sucedeu, e a massa falida tem suas obrigações”.

- Então essa é a brecha para Minas Gerais retomar com força o caso, Athaliba? Já sonho em mergulhar nas águas da praia mineira.

- É isso aí, Marineth. O governador Milton Campos, em 1949, após saber do possível mar de Minas, determinou à Advocacia-Geral que oficializasse o caso ao governo baiano. O termo dizia: “Tenho a honra de submeter à elevada consideração de V.Ex. os inclusos documentos relativos a terras marginais da Bahia-Minas de propriedade deste estado (Minas). Como vê V.Ex., exclui-se do domínio deste estado (Bahia), ao qual não se contesta, todavia, o poder jurisdicional resultante dos limites que o separam do território mineiro”. E, desde então, o assunto morreu. Foi resgatado pela reportagem de Fernando Brant, à qual informava o envio do ofício do governador mineiro ao governador baiano. E nossa luta, agora, cobra resposta, pois a praia de Minas não é utopia. Trata-se de direito adquirido pela “força da grana”, como diz o baiano Caetano Veloso.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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