Coluna

“Amélia” reacende polêmica

“Amélia é que era mulher de verdade,
Amélia tira a calcinha e fica a vontade”

- Foi improvisando, Athaliba, que o cantor Diego Nogueira, ao encerrar o programa que apresenta, Samba na Gamboa, na TV Brasil, reprisado domingo, 21/6, finalizou a apresentação da música “Aí que saudades da Amélia” de maneira provocativa. E, lá em casa, a reação explodiu imediatamente. A minha amiga Sigrid, ao observar que o samba da dupla Ataulfo Alves e Mário Lago figura no caldeirão do que é convencionalmente rotulado de “politicamente incorreto”, arriou a saia e mostrou que não usa calcinha, dizendo que não se humilha como a “Amélia” da música.

- Ora, Marineth, o cantor, filho do saudoso João Nogueira, fez apenas “una broma de mal gusto”. E isso irritou tanto a tua amiga a ponto dela ter que mostrar que não usa calcinha?

- Athaliba, ela deitou falação sem parar sobre a forma negativa na qual a mulher é cantada na música. E cantarolava com expressão de repúdio o verso “Às vezes passava fome ao meu lado/E achava bonito não ter o que comer”. Concluindo de maneira indignada dizendo que “como pode ser bonito alguém não ter o que comer”. E vociferava com o final da segunda parte com “Dizia, meu filho o que se há de fazer/Amélia não tinha a menor vaidade/Amélia é que era mulher de verdade”.

- Marineth, até compreendo que nos dias de hoje a música “Aí que saudades da Amélia” é repudiada pelo feminismo, contraditória à luta das mulheres que combatem a desigualdade entre os gêneros. Mas, convenhamos, por muito tempo isso foi realidade e a música popular registrou o fato abundantemente. Houve época em que a vaidade não era tanta e se o homem pulasse cerca a mulher se sentia culpada, né?

- Athaliba, por favor, não me venha com essa conversa torta. O que passou já era. No atual contexto, no qual as mulheres buscam o empoderamento, tais músicas são absurdas. O rapper Emicida, por exemplo, há pouco tempo, foi questionado por grupos feministas que classificaram a música “Trepadeira” de machista, que diz num dos versos que “Dei todo amor, tratei como flor/Mas, no fim, era uma trepadeira”. O cantor e compositor paulistano teve de dar explicações de que a música não teve a intenção de desrespeitar as mulheres.

- Marineth, essa questão sobre empoderamento é leque aberto em que a própria definição da expressão suscita contradições. Para algumas mulheres, o empoderamento feminino é distinto do feminismo, que apregoa a ideologia da igualdade social, política e econômica entre os gêneros e, por sua vez, o outro lado se refere à consciência coletiva, expressada por ações para fortalecer as mulheres e desenvolver a equidade de gênero. Será que empoderar-se é o ato de tomar poder sobre si, de fato?

- Athaliba, o empoderamento se dá em outros grupos sociais, como no movimento negro e na organização de casais homoafetivos LGBTi. As pessoas oprimidas ou que não tem atenção na sociedade, muitas vezes não têm consciência do próprio poder, buscam o empoderamento. E aí estão incluídas as mulheres. As mulheres lutam para ser reconhecidas que são capazes e que pode fazer mudanças.

A índia Sônia Guajajara é liderança respeitada e foi candidata a vice-presidente nas eleições de 2018. Ela exemplo de atuação feminina a ser seguida. Foto Pablo Albarenga
A índia Sônia Guajajara é liderança respeitada e foi candidata a vice-presidente nas eleições de 2018. Ela exemplo de atuação feminina a ser seguida. (Foto Pablo Albarenga)

- Marineth, como já sinalizei em outras ocasiões, espero que, efetivamente, as mulheres dos Municípios de Itabira do Mato Dentro e de Conceição do Mato Dentro, tomem consciência de que devem ter participação na máquina pública. Em ambos os municípios, já descaracterizados pela exploração do minério de ferro, elas se assemelham à “Amélia”.

- Athaliba, por favor, não seja tão radical.

- Marineth, em Itabira, as mulheres são maioria na população. Porém, não se representam na Câmara de Vereadores. Entre os 17 parlamentares não tem uma mulher sequer para contar história. Também na Câmara de Vereadores de Conceição do Mato Dentro não se encontra uma única mulher entre os 11 vereadores. A formação é de um time de futebol masculino. Se pode dizer que as referidas Câmaras de Vereadores são verdadeiros clubes do Bolinha.

- Ocê tem razão, Athaliba. A mulherada precisa reagir. Do contrário seguirá sendo massa de manobra descartável nos currais eleitorais dominados pelos homens.

- Marineth, portanto, as mulheres nas cidades iguais a Itabira e Conceição no gigantesco Brasil vestem a carapuça de “Amélia”. Será que isso vai mudar nas próximas eleições?”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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