Coluna

Supositório de pimenta

Assim como na França, as manifestações em defesa da Floresta Amazônia vem acontecendo em vários países (Foto: Zakaria Abdelkai)

- Athaliba, uma transexual, no ato político em defesa da Floresta Amazônia, ameaçada por incêndios, grileiros, latifundiários e contraventores de madeira, em Belô, gritava repetidas vezes, num megafone, “bota supositório de pimenta malagueta no c** do mito”, em referência a Jair Messias. Ela tanto gritou o slogan “bota supositório de pimenta malagueta no c** do mito” que conseguiu puxar um gigantesco “trenzinho”, que “trafegava” em círculo do trio elétrico.

- Qual o significado do slogan, Marineth?

- Athaliba, ao redor do monumento à Bíblia, na praça redonda de Alucard do Mato Dentro, a travesti Lica, que participou da manifestação junto com as irmãs gêmeas lésbicas Francinete e Ivonete, me contou que o slogan recomenda ao mito desobstruir o intestino, aliviando o processo de digestão, pois ele defeca fezes catinguentas sempre que abre a boca. Devido a isso necessita urgentemente da aplicação do tal supositório de pimenta malagueta via anal.

- Marineth, deixando em stand-by fezes malcheirosas do mito - ele ainda vai defecar muito por aí -, é preciso manter a ferro e fogo a luta pela preservação da Floresta Amazônia, porque ela tem a maior biodiversidade em uma floresta tropical no planeta, com cerca de sete milhões de km². Não é de hoje que está ameaçada de extinção. E devido à crescente possibilidade, com o aumento das queimadas, manifestações em vários países eclodiram semana passada contra a destruição da floresta, como na França. Esse movimento de indignação não deve ter trégua.

- O alerta, Athaliba, vem de várias partes do mundo. Alemanha e a Noruega suspenderam os recursos que destinavam ao Fundo Amazônia, enquanto representantes de diversos países anunciam que a celebração do acordo da União Europeia com o Mercosul pode não acontecer diante da falta de preservação da floresta. Por outro lado, ambientalistas temem que o governo do Jair Messias ponha a perder um trabalho de décadas, realizado por vários governos. Desde 1988, quando o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – passou a contabilizar os dados, o desmatamento anual oscilava muito. Nos anos 2000, porém, chegaram a 27,8 mil km² em 2004, os números saíram de uma média de 18,2 mil km² desmatados por ano e ultrapassaram os 20 mil km².

- Daí, Marineth, com pressão internacional começou a ter uma queda do desmatamento, principalmente quando entrou em cena mecanismo de gestão ambiental, como a fiscalização, a rastreabilidade da cadeia bovina e a conscientização do produtor agrícola que passou a entender ser possível desenvolver ganhos econômicos sem derrubar a floresta.

- Pois é, Athaliba. Para Luiz Marques, professor do Departamento de História da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas -, “a Floresta Amazônia hoje está ameaçada por toda uma arquitetura econômica que pretende dar lucros imediatos; ou nossa sociedade é capaz de reverter esse processo, ou vai causar consequências graves para a humanidade. Estamos em uma situação de encruzilhada histórica que vai definir o destino da humanidade dos próximos milênios”.

- Marineth, cientistas avaliam que a maior parte das espécies que vivem nas florestas ainda não é conhecida, sendo que apenas 15% delas foram catalogadas. Jerônimo Sansevro, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ -, estima que “tem mais de 41 mil espécies de plantas. Só na região amazônica são mais de 13 mil espécies de plantas. A gente tem que levar em conta ainda que esse número é subestimado. Tem um número muito grande de espécies que a gente não conhece”.

- Nessa linha, Athaliba, diante do avanço do desmatamento e das queimadas, o presidente da França, Emmanuel Macron, e o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez, disseram que a Floresta Amazônia é fundamental para o planeta, entre outras razões, porque produz oxigênio.

- Marineth, para o climatologista Carlos Nobre, “a Amazônia não altera muito o balanço de oxigênio. Ela, por exemplo, retira, anualmente, até dois bilhões de toneladas de gás carbônico da atmosfera, através da fotossíntese, e retorna para a atmosfera cerca de 1,5 bilhões de toneladas de oxigênio. Só que 1,5 bilhões de toneladas de oxigênio é uma fração muito pequenininha, 0,001% do oxigênio do planeta”.

- É isso aí, Athaliba. Segundo Paulo Sérgio Salomon, oceanólogo e pesquisador da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro -, “a maior parte do oxigênio presente na atmosfera foi se acumulando em bilhões de anos nos processos de formação da vida na Terra; e, tão importante quanto a floresta é o fitoplâncton, algas microscópicas que produzem oxigênio nos oceanos. O avanço no conhecimento tem mostrado que essa função de produtor de oxigênio é compartilhada em aproximadamente 50% com o fitoplâncton”.

- Bem, Marineth, vamos ouvir o samba “Amor à natureza”, de Paulinho da Viola, enquanto no Jair Messias é aplicado o supositório de pimenta malagueta, sugerido pela transexual no ato político em Belô na defesa da Floresta Amazônia.

“Relíquia do folclore nacional
Jóia rara que apresento
Nesta paisagem em que me vejo
No centro da paixão e do tormento
Sem nenhuma ilusão
Neste cenário de tristeza
Relembro momentos de real bravura
Dos que lutaram com ardor
Em nome do amor à natureza

Cinzentas nuvens de fumaça
Umedecendo meus olhos
De aflição e de cansaço
Imensos blocos de concreto
Ocupando todos os espaços
Daquela que já foi a mais bela cidade
Que o mundo inteiro consagrou
Com suas praias tão lindas
Tão cheias de graça, de sonho e de amor

Flutua no ar o desprezo
Desconsiderando a razão
Que o homem não sabe se vai encontrar
Um jeito de dar um jeito na situação
Uma semente atirada
Num solo tão fértil não deve morrer
É sempre uma nova esperança
Que a gente alimenta de sobreviver”

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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