Mauro Cid: Bolsonaro queria provar fraude nas urnas para justificar golpe militar
Ex-ajudante de ordens afirma que ex-presidente pressionava militares e esperava apoio das Forças Armadas para reverter resultado das eleições de 2022

Brasília - Durante o interrogatório prestado nesta segunda-feira (9) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o tenente-coronel do Exército Mauro Cid afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro apostava na descoberta de uma suposta fraude nas urnas eletrônicas como argumento para obter apoio dos comandantes das Forças Armadas a um golpe de Estado. A declaração foi feita durante a ação penal que apura a tentativa de subversão do resultado eleitoral de 2022, presidida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Segundo Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e é hoje delator no inquérito, o ex-presidente, junto ao general Walter Braga Netto (seu vice na chapa), apostava que a descoberta de irregularidades nas urnas eletrônicas abriria caminho para uma intervenção militar.
“A grande expectativa era que fosse encontrada uma fraude nas urnas. O que a gente sempre viu era uma busca por encontrar fraude na urna. Com a fraude na urna, poderia convencer os militares, dizendo que a eleição foi fraudada e, talvez, a situação mudasse”, declarou o militar durante o depoimento.
Ainda segundo ele, Bolsonaro pressionava o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a se posicionar de forma ambígua sobre a confiabilidade do sistema eletrônico de votação.
Essa tentativa de semear desconfiança veio a público ainda durante as eleições de 2022. À época, o Ministério da Defesa enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um relatório técnico que, embora não tenha apontado fraudes, sugeria que não era possível “descartar totalmente” a hipótese de interferência no sistema, numa narrativa alinhada com os discursos bolsonaristas.
O parecer foi divulgado pela imprensa e criticado por diversas entidades. Em resposta, o TSE reiterou que nunca foram comprovadas fraudes nas urnas desde sua adoção em 1996. Em relatório divulgado em novembro de 2022, o próprio Ministério da Defesa concluiu que “não houve inconsistências ou fraudes” na apuração eleitoral — embora o governo Bolsonaro tenha tentado dar outra conotação ao texto.
Dinheiro em sacola e elo com Braga Netto
Ainda no depoimento desta segunda-feira, Mauro Cid revelou que recebeu de Braga Netto uma sacola de vinho contendo dinheiro em espécie, que deveria ser entregue ao major do Exército Rafael de Oliveira, integrante do grupo conhecido como “kids pretos” — tropa de elite que fazia a segurança do então presidente.
“Provavelmente, pelo que a gente sentia das manifestações, era o pessoal do agronegócio que estava ajudando a manter as manifestações em frente aos quartéis”, disse Cid, referindo-se ao financiamento dos atos antidemocráticos após a eleição de Lula.
Ele afirmou não saber a origem ou o valor do dinheiro, mas declarou que a entrega foi feita a pedido direto de Braga Netto. Cid também indicou que o general da reserva atuava como elo entre o núcleo do ex-presidente e os movimentos golpistas que se concentravam em frente aos quartéis.
“A gente nunca manteve contato com nenhuma liderança, nenhum financiador. A gente sabia o que estava acontecendo, mas o núcleo interno, a gente não mantinha contato com ninguém. Quem trazia informações atualizadas era o general Braga Netto. Não sei dizer quem eram os contatos que ele mantinha”, disse.
Braga Netto está preso desde dezembro de 2024, acusado de obstrução de Justiça, ao tentar acessar delações sigilosas e manipular investigações da Polícia Federal.
Interrogatórios continuam até sexta-feira
O depoimento de Mauro Cid integra uma série de interrogatórios conduzidos por Alexandre de Moraes nesta semana. O ministro ouvirá, até sexta-feira (13), oito réus considerados parte do “núcleo central” da tentativa de golpe para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor das eleições de 2022.
A agenda de depoimentos inclui:
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Mauro Cid – delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
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Alexandre Ramagem – ex-diretor da Abin e deputado federal;
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Almir Garnier – ex-comandante da Marinha;
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Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do DF;
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Augusto Heleno – ex-ministro do GSI;
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Jair Bolsonaro – ex-presidente da República;
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Paulo Sérgio Nogueira – ex-ministro da Defesa;
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Walter Braga Netto – general e ex-ministro da Defesa.
As investigações indicam que o grupo elaborou uma minuta de decreto para instaurar estado de sítio, prender ministros do STF e do TSE e anular o resultado da eleição presidencial — tentativa que fracassou, mas que culminou nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
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