Coluna

REMEDIADO

Foto: Mathieu Stern na Unsplash - 

Juiz de Fora (MG) - Houve um tempo, se não estou enganado, por volta dos anos 70 do século passado (Meu Deus!) onde as classificações de renda foram um pouco diferentes dos tempos atuais. Remediado era uma classificação para o sujeito ou família que estava no meio da tabela, mais ou menos entre a atual classe média e a classe pobre. Figurava como um tipo de situação onde poderia haver remédio para consertar e o classificado passaria a ser classe média. Era um pobre com jeito de que poderia se salvar. Ainda dava tempo. O remédio não se fazia a menor ideia. Poderiam ser muitos, como, por exemplo, ganhar na loteria.

O tempo passou e o remediado ficou esquecido no tempo, claro que para os remediados da época, como o meu caso, ficou gravado na memória.

Hoje, como poderíamos enquadrar o remediado? Temos a classe alta alta, alta média, alta baixa, a classe média e a pobre, e aquela que vive abaixo da linha da pobreza: A, B, C e D. Quer dizer, não falta classificação e, portanto, o remediado estaria ali na série B, C ou D, ou poderia estar em qualquer uma delas. Tem jeito de subir, o remédio… aí são outros quinhentos ou bilhetes de loterias.

Não há remédio para tudo, nem tudo tem jeito. E um dos jeitos de subir na vida é na sorte ou subindo em cima dos outros. Tipo um alpinismo sem nenhum pudor. Vale tudo.

Mas nós temos os remediados do futuro. Aqueles que sonham atingir o patamar mais elevado. Não através das posses, do dinheiro, mas na forma de pensar igual, achando que o melhor remédio é se iludir, como uma droga social que faz o sujeito imaginar que chegou lá… em pensamentos.

Achar que pensar como um mais rico seja uma maneira de ser é o pior remédio que se poderia tomar. Meus caros, não há remédio para isso. Remediado é um paciente terminal, que vê na ascensão imaginária a única maneira de se sentir mais rico.

Impedido de alcançar o patamar mais elevado pelas vias materiais, o remediado tenta formar uma moralidade que o aproxima do melhor, do mais bem localizado. É alguém que vende o almoço para comprar a janta. Pensa como se fosse, age como se fosse, se entope da bebida venenosa da ilusão para ser o remediado. Aquele que tem possibilidade de ascender socialmente, mas dentro do seu imaginário.

Remediados são muitos, principalmente quando vive uma vida iludida nas redes sociais, tentando demonstrar aos companheiros remediados que vive uma vida mais feliz e mais completa. Uma vida sem remédios, sem conserto. A ilusão é a melhor forma de enganar a si mesmo.

Ser remediado ontem era um fato baseado no consolo de que se conseguir mais dinheiro pode passar para outro patamar. Ser remediado hoje é um fato baseado na ilusão de que chegou lá, sem nenhum remédio que dê jeito a não ser o choque de realidade.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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