Coluna

SOU UMA DAMA DA NOITE

Juiz de Fora (MG) - O jardim onde você cultiva as rosas coloridas, que durante o dia encantam os seus olhos, é apenas um quintal sem graça, onde os insetos e os pássaros vêm se divertir. Não existe nenhuma sensação de vida, são apenas as flores que se entregam à chuva, ao sol, que se despedaçam por fraqueza ao menor toque do vento.

São coisas frágeis e vazias que você admira sem saber que a noite, quando chega, traz muitas outras coisas, além do mero perigo de viver.

Durante as noites é que os amantes encontram a paz, o silêncio tão importante para que possam trocar palavras entre si. O som das palavras significa, para os ouvidos solitários, a ausência do conforto e do carinho das mãos de alguém.

Yash Raut / Unsplash - 

Suas mãos percorrem as flores do jardim, mas você sabe que elas não te pertencem. Você não pode tê-las, você pode vê-las, e tocá-las são apenas gestos infantis e inconsequentes. Elas têm cheiros e fragrâncias que não pertencem somente a você, mas a outros que passam ou as têm também em seus jardins.

Quando a lua começa a aparecer, o seu jardim, realmente, começa a ser aquilo que você deseja.

Enquanto a escuridão toma conta de tudo, quando as casas em frente são apenas luzes perdidas nas sombras, quando os muros passam a esconder os medos, a flor que você deseja aparece com seu perfume delicado.

Sou a dama da noite perfumada que te chama. Você recebe o cheiro e se embriaga. Sou como o canto de uma sereia que nada no mar de luar que ilumina seu quintal. Quando minhas pétalas se abrem, todas as outras flores se recolhem e o meu cheiro começa a invadir e a hipnotizar seu sono.

Sou como uma dama negra com a luz da lua a emanar dos meus olhos. Meu andar é macio e desconcertante, e o meu cheiro perfumado já te domina por encanto.

Tuas mãos se estendem tentando deslizar sobre a minha pele, tentando encontrar a veludez das rosas que você cultiva. Não são delas a maciez da minha pele, e o leve arrepiar de meus pelos negros que a tua dama da noite traz.

É um tecido mais macio que está além das roupas que me vestem. Enquanto o perfume ondula pelo seu quarto, são minhas pernas que se movimentam no leve passar de meus passos rápidos.

Sou a dama bêbada que te torna dependente. Você resiste ao sono, mas é uma luta vã. As tuas flores te dizem para que destruas aquela dama da noite que é fingida durante o dia, mostrando pétalas macias e uma total ausência de cheiro.

Elas invejam a dama da noite porque sabem que o universo dela reina quando a noite cai, e todas as flores perdem seu viço e colorido. Porque o colorido que eu tenho é me fingir de tímida ao brilhar do sol e mostrar, como as grandes amantes mostram, a realidade da noite entre nós.

Eu sou a sua dama da noite, que entra com sensualidade e perfume em sua cama. Em teus sonhos eu sou viva, sou uma mulher de corpo voluptuoso que invade a sua alcova, e a sua imaginação não te engana quando me vê como a feiticeira que te encanta com o leve toque de minha varinha mágica e te desperto do sono e nos envolvemos em lençóis e travesseiros, dentro do caldeirão mágico onde você se desfaz.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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