Coluna

Chico Buarque: 80 anos

Tem mais samba no encontro que na espera/Tem mais samba a maldade que a ferida/Tem mais samba no porto que na vela/Tem mais samba o perdão que a despedida/Tem mais samba nas mãos do que nos olhos/Tem mais samba no chão do que na lua/Tem mais samba no homem que trabalha/Tem mais samba no som que vem da rua/Tem mais samba no peito de quem chora/Tem mais samba no pranto de quem vê/Que o bom samba não tem lugar, nem hora/O coração de fora samba sem querer/Vem que passa teu sofrer/Se todo mundo sambasse seria tão fácil viver”.

- Marineth, por ocasião da comemoração dos 80 anos de Chico Buarque, 19/6, recordo de dois fatos marcantes e antagônicos: o memorável espetáculo dele e Maria Bethânia, no Canecão, década de 1970; e o veto à música de sua autoria, “Tem mais samba”, que propus para abertura de show de um cantor sambista, que produzi e dirigi no Teatro Rival, na Cinelândia, no RJ.

- Athaliba, pela ordem, conta o que o marcou no espetáculo do Chico com a Bethânia.

Chico Buarque, ao receber o Prêmio Camões,  disse querer ser reconhecido como cantor e compositor. Foto: A.PAES 

- Marineth, munido de gravador de fita K-7, camuflado, fui ao espetáculo acompanhado da jornalista Janise Moreira de Paiva (mãe do Lenin e Yasmim, nossos filhos), em 1975. Necessitava registrar o show que considerava histórico, à época da ditadura civil-militar que sufocou o país no período de 1964 a 1985. O repertório consta de “Olê, ola´”, “Sinal fechado”, “Gota d’água”, “Sonho impossível”, “Com açúcar, com afeto” e “Sem fantasia”, entre outras composições de qualidade.

- Athaliba, às vezes me pego ouvindo o vinil na surrada vitrola. É histórica a gravação.

- Sim, Marineth. O espetáculo teve regência do maestro Lindolfo Gaya, e Caetano Veloso e Ruy Guerra assessorando o ator Oswaldo Loureiro na direção. Apenas o Rio de Janeiro assistiu o show em 118 apresentações, no período de 6 de junho a 2 de novembro.

- Athaliba, soube que Bethânia pediu show e LP com Chico Buarque, quando perguntada sobre o que queria ganhar de presente pela permanência de 10 anos na gravadora.

- Isso mesmo, Marineth. Bethânia teria dito que ele, Chico, “é o compositor mais importante da minha geração”. E com razão e por merecimento. É o mais expressivo artista da nossa música popular, com pujantes obras musicais, desde a década de 1960, quando começou a carreira. Ele também é escritor. Recebeu, em março de 1996, o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal. E ainda deste país, em abril, em Sintra, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da literatura da língua portuguesa.

- Athaliba, a honraria ocorreu em 2019, quando o mito pés de barro (Bolsonaro) se recusou a assinar a documentação necessária para que o artista recebesse o diploma. E, Chico Buarque, ao receber o título, na cerimônia no Palácio Nacional de Queluz, emocionado, disse o seguinte: “O ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma de Camões, deixando o espaço em branco para a assinatura do presidente Lula”.

- Marineth, o Chico é organizado, tem forte personalidade. Perseguido durante a ditadura - teve músicas censuradas e era intimado a prestar depoimento sempre que viajava para Cuba, por exemplo - dizia: “A ditadura me aporrinha, mas eu sacaneio a ditadura”.

- Athaliba, Chico foi vencedor de três Prêmios Jabuti: melhor romance, 1992, com Estorvo e o de Livro do Ano, tanto pelo livro Budapeste, lançado em 2004, como por Leite derramado, em 2010. Em 1998, sob o título Chico Buarque da Mangueira, foi enredo da escola de samba GRES Estação Primeira da Mangueira, campeã juntamente com a Beija-flor de Nilópolis.

- Marineth, os LPs Construção, de 1971, e Meus caros amigos, de 1976, figuram entre os 100 maiores discos da música brasileira organizada pela revista Rolling Stone Brasil. A MPB ganhou autêntico representante, que chegou a frequentar o curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Marcou presença destacada no cinema e, principalmente, no teatro.

- Athaliba, assisti Morte e vida Severina, musicada por Chico, na Diocese de Duque de Caxias, na gestão de Dom Mauro Morelli. Mas, agora, conta quem é o cantor sambista que vetou “Tem mais samba” na abertura do show que ocê produziu e dirigiu.

- Marineth, seguinte: a partir da censura à música, o show degringolou. Ficou sem edição. O CD foi comercializado pela pirataria entre camelôs ao redor do Edifício Avenida Central, na Av. Rio Branco, e também na Feira de Acari. Caso de infeliz lembrança que não vale recordar.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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