Agropecuária

Ambientalistas enfrentam ameaças de fazendeiros em Minas Gerais

Varzelândia (MG) - O Brasil é o segundo país mais letal para ambientalistas, ficando atrás apenas da Colômbia que lidera o ranking como país mais violento para ativistas. Em 2022 foram assassinados 177 defensores do meio ambiente no mundo, sendo que 34 ocorreram no Brasil, aponta o estudo da Global Witness, que monitora o cenário de ativismo ambiental desde 2012.

No Brasil, o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, organizado todo ano pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), registrou em média um conflito por terra a cada quatro horas, em 2022. Um total de 2.018 casos, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões de hectares de terra em disputa em todo território nacional.

Entre esses casos está o casal Maria Izabel da Silva Francisco e Clailson Gonçalves Ferreira. Camponeses, ambientalistas, raizeiros e militantes do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC). Eles vivem em um território tradicional na comunidade rural de Barreiro Azul, no município de Varzelândia, em Minas Gerais.

Cercados por vizinhos grileiros e fazendeiros, o casal enfrenta ameaças e constantes investidas contra seu espaço de vida, produção, cuidado e autossustentação. Dona Izabel conta que as perseguições começaram em 2005. Desde então ela luta pela posse da área que herdou de seu pai.

Com frequência ouvimos tiros (disparos de arma de fogo) contra nossa casa, destruição das lavouras, matam os cachorros e nos ameaçam de morte”, conta ela.

Em ofício protocolado junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), no dia 6 de julho deste ano, consta que “o casal de ambientalistas e raizeiros Sra. Maria Izabel Da Silva Francisco e Sr. Clailson Gonçalves Ferreira se encontram em situação de ameaça e vulnerabilidade no seu território”. Dada a gravidade, o ministério encaminhou a denúncia ao diretor da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal que efetuou uma diligência à comunidade rural de Barreiro Azul, em agosto deste ano de 2023.

Resgatar a minha história quanto mulher camponesa de ancestralidades está ligada à liberdade e à luta pela permanência no campo, afirma dona Izabel
"Resgatar a minha história quanto mulher camponesa de ancestralidades está ligada à liberdade e à luta pela permanência no campo", afirma dona Izabel. (Foto: Adi Spezia)

No ofício, o MMA destacou: “denúncia referente à ameaça contra casal de ambientalistas e raizeiros em Varzelândia (MG)”, onde existe um conflito de terra agrário ambiental com os vizinhos fazendeiros. Além de enfatizar ser preciso levar em consideração “que o governo de Minas Gerais negou a proteção necessária ao casal, sendo omisso até o presente momento mesmo comunicado formalmente sobre a situação”.

A denúncia também foi realizada junto ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH), onde o movimento reiterou “a permanência do risco à integridade física de Maria Izabel da Silva Francisco e de seu companheiro, especialmente no local de sua residência”.

Frente às denúncias apresentadas aos órgãos públicos, o Ministério dos Direitos Humanos solicitou à Polícia Federal que adote “as providências cabíveis, especialmente no sentido de garantia à integridade física do casal de ambientalistas e raizeiros ameaçados em pretenso conflito agrário e fundiário”.

No entanto, Adriano Ferreira, liderança do MTC, destaca não haver “nenhum tipo de providências para assegurar a vida de Izabel e Clailson. O estado de Minas em nenhum momento tomou providências sobre o caso, tem sido omisso, por isso que a Polícia Federal entrou no caso”, explica.

Izabel conta que “para a Polícia Federal ter que ir à comunidade rural de Barreiro Azul é porque várias vezes o caso foi denunciado; mas, apesar disso, o povo ficou amedrontado, todo mundo assustado, também perdi minha liberdade, meu direito de expressão religiosa, de assumir a minha identidade quanto mulher do campo, negra”, explica.

Na avaliação do MTC, as investidas contra o casal se dão por Izabel ser uma liderança religiosa, defensora ambiental e por integrar um movimento de trabalhadores do campo que luta pelo direito à terra. Desde que a Polícia Federal esteve na comunidade rural de Barreiro Azul, “não sabemos qual foi o encaminhamento que eles deram. Depois da visita, o caso foi encaminhado para ouvidoria nacional, por conta da proteção à vida e só”, esclarece Italo Vinicius, integrante do MTC que acompanha o caso em Brasília.

Durante o mês de outubro, Izabel e demais lideranças do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras da Campo estiveram em Brasília para dialogar com órgãos públicos e parlamentares voltados à defesa ambiental e de direitos humanos, em especial do estado de Minas Gerais, pois nenhuma medida foi adotada até então para assegurar a vida de Maria Izabel da Silva Francisco e Clailson Gonçalves Ferreira.

NOVAS INVESTIDAS: DESTRUIÇÃO DAS PLANTAÇÕES E MATANÇA DE ANIMAIS 

O conflito que já era intenso, após a morte de um dos fazendeiros da região, tornou-se ainda mais intenso. “Chegaram e derrubaram as cercas e invadiram nosso espaço, nosso habitar, que é sagrado, terapêutico, um espaço para trabalhar o sagrado” descreve Izabel.

Com olhos marejados, ela relata que, “antes de dar 24 horas da morte do fazendeiro, ao escurecer as cercas foram derrubadas, o gado foi solto em toda plantação; comeram, estragaram e destruíram tudo. Agora que o fazendeiro morreu, os filhos, os herdeiros estão invadindo, dizendo que aquela terra é deles. É não, porque fizeram uma compra de boca, não tem documentação”, esclarece Izabel.

Após o ocorrido, a polícia local foi acionada e efetuou o registro de um boletim de ocorrência, “mas só registrou e não teve mais nada, mesmo após terem cortado árvores centenárias, que para nós é muito importante, fizeram a matança dos animais”, conta a ambientalista e raizeira.

Junto à comunidade e ao MTC, Izabel desenvolve trabalhos com terapias naturais, homeopatia e autossustentação por meio da produção de alimentos. Na área destruída havia plantações de ervas medicinais, lavoura e também é onde um grupo de 15 mulheres é acolhido e atua no resgate da identidade e cultura camponesa, da espiritualidade, do sagrado feminino; e se organiza na autossustentação de seus núcleos familiares, além de ser um espaço de preservação da biodiversidade. “Devido à história, se tornou um espaço de acolhimento, de conhecimento, que não é só meu, mas de muitos outros que estão próximos, está muito claro, essas coisas é para intimidar mesmo”, desabafa Izabel.

Além da proteção à vida dos defensores de direitos humanos, entre as reivindicações do movimento e do casal ameaçado está a realização de um laudo antropológico da área, a fim de comprovar sua ocupação tradicional. Segundo relato de integrantes do MTC, lá tem outros territórios com comunidades resistindo. A resistência e processo de luta caracterizam aquele lugar como espaço de autossustentação, de referência religiosa, ambiental e sustentável, que acolhe outras mulheres, explica dona Izabel, que completa: “Resgatar a minha história quanto mulher camponesa, de ancestralidades estão ligadas a liberdade e a luta pela permanência no campo”.

 

*Adi Spezia é jornalista do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo.

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