Coluna

OS SONHOS, ESSES SONHOS.

VIOLETAS
Foto:Artiom Vallat en Unsplash - 

O que a violeta sonha? Esse pensamento me passou quando estava na janela do meu quarto e, na varanda em frente, uma violeta oscilava no vento, debruçada do seu vaso de cerâmica, finamente decorado com motivos marajoaras, com seus desenhos negros realçados.

Não sei se pensava no que a violeta sonha ou os sonhos que embalavam a ilustre proprietária daquele arranjo de flores: minha vizinha. Na verdade, pensava nela, e olhando a violeta, levemente iluminada pela luz branda que vinha da sala, pensava quantas vezes as suas mãos a tocara, quando a regara pela última vez, sua ida até a uma bica trazendo o líquido em qualquer recipiente e despejando na terra seca.

Meu cigarro expandiu uma brasa, iluminando o meu rosto, ardente sob a forte aspiração de ar dos meus pulmões. Minha vizinha, por diversas vezes, em conversas informais no elevador, deu a entender sua repulsa aos fumantes. Eu, cinicamente, neguei tal vício. Pelo seu olhar deduziria que eu era um mentiroso? Escondi as mãos rapidamente com medo que ela identificasse algum sinal amarelo nos dedos. Falei baixo, um pouco na direção do chão para que não sentisse algum cheiro; fiquei com raiva de mim mesmo.

Mas eu adorava flores! Sempre gostei. Minha vizinha nunca a vi na varanda. Minto. Algumas vezes eu a vi e elogiei sua violeta. Contou-me toda a história, de que fora um presente dado por um parente (receei ter sido de um namorado; homens dão vasos de flores de presente? Pensei).

Minha varanda ficava do outro lado e a janela do seu quarto ficava ao lado de algum sortudo. Gostava de ficar ali admirando a violeta vizinha, na esperança de que a sua dona viesse visitá-la. Dei sorte, algumas vezes, e entabulávamos uma conversa qualquer e escondia rapidamente o cigarro.

É fácil perceber que eu tinha uma queda por ela. Era bonita, bem bonita. Motivo de alguns comentários nas reuniões de condomínio, principalmente do Bonilha que morava no primeiro andar. Quando nos encontrávamos, os três, no elevador, o Bonilha, um chato, logo era defenestrado no primeiro andar. Algumas vezes ele fazia uma tentativa de me visitar, um pretexto qualquer, e eu sabia o porquê, me fazia de desentendido, o que muito o desgostava, e fazia a Luciana, esse é o nome dela, dar boas risadas depois.

O que sonha Luciana quando dorme? O mesmo que a violeta, toda linda, perfeita, dançando ao sabor do vento na sacada, com uma pele aveludada que muitas vezes me fez a tentativa de acariciá-la, pensando na maciez da sua pétala, a mesma maciez da pele de Luciana?

A última vez que subimos no elevador ela me disse admirada que havia uma varanda coalhada de flores, e de quem seria? Eu disse para Luciana que era a minha. Ela, admirada, manifestou o desejo de conhecê-la.

Eu, rapidamente a convidei, mas pedi alguns instantes, e ela riu, jogando o seu rosto de vastos cabelos para trás. Ela conheceu minha varanda, se apaixonou pelas minhas plantas, enquanto eu procurei ao máximo disfarçar o meu cheiro de cigarro. Luciana passou a noite em minha casa e eu agora estou na janela do meu quarto enquanto ela dorme em minha cama. Na janela, eu olho para a violeta na sua varanda e fico pensando o que as violetas sonham quando sua dona está ausente?

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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