Rio de Janeiro - Como uma ave curiosa, Pelicano logo abandonou o ninho de uma família de artistas e alçou voo solo.
Filho de mãe desenhista e irmão do falecido cartunista Glauco Vilas Boas, Pelicano ainda muito jovem começou a publicar seus desenhos.
O desenho e o humor vieram da mãe, Maria Aparecida Vilas Boas, a dona Cidu, uma desenhista de traço delicado e rápido. Dona Cidu, para evitar que os filhos bagunçassem a casa reunia os cinco filhos - Odilon, Neto, Orlando, César e Glauco - no quintal da casa e os punha para desenhar; às vezes copiando os desenhos que ela fazia, outras vezes, criando suas próprias histórias e personagens.
César Augusto Vilas Boas, 62, mais conhecido como Pelicano, começou profissionalmente em 1978, no extinto “Diário da Manhã”, de Ribeirão Preto, onde o irmão Glauco já publicava.
Um dia, o jornalista José Hamilton Ribeiro, editor do jornal, viu na bolsa do Glauco um caderno com os desenhos do irmão e convidou Pelicano para trabalhar. “O traço do menino ainda era tosco, mas batia fundo. Dava para ver que tinha talento”, disse Ribeiro.
Em tempos sem internet, Pelicano e o irmão tinham que levar pessoalmente os desenhos todos os dias na redação do jornal. Quando não podia ir, Pelicano deixava o seu pronto para que Glauco levasse junto com o dele; como era preguiçoso, e às vezes não fazia o seu, Glauco também não levava o do irmão, o que deixava Pelicano muito chateado.
Outra coisa que, de início, também deixou o jovem César Augusto bastante irritado foi o apelido de Pelicano que ganhou, nos anos 70, na Faculdade de Engenharia.
Por causa do nariz avantajado, um colega de classe queria apelidá-lo de tucano, como não encontrou nenhuma imagem da ave bicuda, acabou colando nas paredes desenhos de um pelicano. “Quando eu entrava na sala, o pessoal gritava: “Chegou o pelicano!” De início eu não gostei, mas depois o apelido pegou e então comecei a assinar os cartuns assim”, disse, rindo.
Logo depois, Glauco foi para São Paulo trabalhar na “Folha de São Paulo” e Pelicano ficou em Ribeirão. Formou-se engenheiro civil, criou quatro filhas e publicou trabalhos em vários jornais da cidade o do interior.
Pelicano deve ter mais de 13 mil desenhos produzidos em seu acervo pessoal. Tudo feito à moda antiga, com papel e lápis.
O cartunista já teve seus trabalhos publicados na maioria dos jornais e revistas de Ribeirão Preto, onde reside, além de ter colaborado com “O Pasquim”, “Folha de São Paulo”, “Jornal da Unesp”, “Guia das Profissões da Unesp”, “Correio Popular”, de Campinas; “Jornal do Comércio”, de Jaú; “Diário de São Paulo”, e animações para EPTV, entre outros.
Mesmo nos tempos bicudos de Ditadura Militar, Pelicano diz nunca ter enfrentado censura, “Hoje tá fácil!” era uma frase recorrente do irmão Glauco na redação da “Folha de São Paulo”, quando recebia a pauta do editor. “Ele tinha razão. Ainda hoje tá fácil fazer humor. O momento político e os políticos nos trazem situações cada vez mais absurdas, mas descabidas. É muito fácil encontrar material para fazer piada”, diz.
Fã do amigos como os cartunistas Renato Andrade e Thomate, ambos colaboradores de “A Cidade”, além de mestres como Henfil, Jaguar, Angeli, Laerte e principalmente do irmão, Glauco, Pelicano conta que o tempo não diminui o vazio deixado pela perda do parceiro. “Penso nele toda vez que pego no lápis pra desenhar. Todo dia”, lamenta.
Em 1984, publicou em edição nacional a revista “Prato Feito” pela editora Nova Sampa e, em 1986, desenvolveu charges animada para a EPTV, de Ribeirão Preto, veiculadas no “Jornal Regional”.
No ano de 2001 produziu a “TV Pelica”, com charges animadas diárias para o programa “Clube-Verdade”.
Atualmente, ele produz charges diárias para a “Rede Bom Dia de Jornais” (São José do Rio Preto, Bauru, Jundiaí e Sorocaba), para o jornal “Tribuna”, de Ribeirão Preto; para o “Jornal do Comércio de Jahu”, de Jaú; e para o portal “Movimento das Artes”.
Há quase 40 anos trabalhando como cartunista, o talento, a técnica e a qualidade de seu trabalho fez com que Pelicano recebesse diversas premiações, dentre elas cinco premiações no Salão Internacional de Humor de Piracicaba e o Prêmio de Melhor Cartum Nacional no Salão de Humor do Piauí.
Pelicano hoje vive tranquilo em Ribeirão Preto onde é um dos dirigentes da única igreja do Santo Daime, no Jardim Ouro Branco.
O artista conheceu a religião com o irmão Glauco, assassinado em março de 2010 por um frequentador da igreja Céu de Maria, em Osasco, São Paulo.
O templo, chamado Rainha do Céu, é o lugar onde os daimistas da região vão para rezar seus hinos e tomar o chá Ayahuasca (o Santo Daime), em busca de espiritualidade.
Hoje, mais que um líder do Daime, Pelicano é um difusor da religião no interior do Estado.
Ave, Pelicano!
Crônica publicada originalmente n´O Folha de Minas em 15 de março de 2020.
Comentários