Coluna

Xô, agosto, mês do desgosto!

“Varre, varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já ‘tá cansado’
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado!”

- Marineth, os versos acima são do jingle da campanha eleitoral que elegeu Jânio Quadros à presidência da República, em 1961 e, portanto, estabelece, em 2021, o marco de 60 anos da ascensão e renúncia dele como 22º presidente do Brasil. Ele tomou posse em 31 de janeiro e, em 25 de agosto, renunciou. A atitude transloucada que tomou, alegando ter sido em decorrência de “forças ocultas”, gerou trágicas consequências ao país, desembocando no famigerado golpe civil-militar de 1964. Os autores do jingle são José Maugeri Neto e Fernando Azevedo de Almeida.

- Athaliba, quais as “forças ocultas” que levaram Jânio Quadros à renúncia?

O fotógrafo Erno Schneider captou os pés quase entrelaçados de Jânio Quadros, que simbolizaram as suas  indefinições, levando-o a renunciar a presidência do Brasil - 

- Marineth, analistas políticos sustentam a tese de que ele tentou autogolpe com a renúncia e vislumbrava a perspectiva de retornar ao poder nos braços do povo, tutelado pelos militares. E, sem fazer analogia com atual mito pés de barro que ocupa o trono da presidência da pátria amada, qualquer semelhança talvez não seja mera coincidência. Jânio Quadros meteu os pés pelas mãos, dando tiro no próprio pé.

- Que atitude paranoica, Athaliba!

- Sim, Marineth. Para o historiador Daniel Aarão Reis, autor do livro “História do Século XX” e professor da Universidade Federal Fluminense - UFF -, “ninguém imaginava a renuncia, embora ele fosse considerado bem desequilibrado. Tinha enorme dificuldade em discutir e negociar com o Congresso, onde lhe faltava base parlamentar sólida. Aliás, até partidos que o apoiavam como a União Democrática Nacional - UDN - não o tinha como homem de confiança.

- Athaliba, ele não tinha experiência política?

- Marineth, antes de chegar à presidência da República, ele havia sido vereador paulistano, deputado estadual paulista, prefeito e governador de São Paulo, e deputado federal. No entanto, a inabilidade política, conforme comenta Aarão Reis, “era algo que se ligava a sua condição de líder messiânico, flutuando acima dos partidos e, assim, queria ser visto, desejando à submissão do Congresso, no limite a dissolução da Câmara e do Senado para que pudesse governar sem controles”.

- Athaliba, ocê tem razão quando observa que a semelhança dele com o mito pés de barro talvez não seja mera coincidência. Embora resguardadas as diferenças entre ambos. O hipotético mito se elegeu vereador no Rio de Janeiro pelo extinto Partido Democrata Cristão - PDC -, sendo reformado como capitão do Exército, em 1988. A partir daí se reelegeu por sete vezes deputado federal, entre 1991 e 2018, por diferentes partidos. Anunciou pré-candidatura a presidente pelo Partido Social Cristão - PSC -, em 2016, mas, em 2018, bandeou-se para o Partido Social Liberal - PSL.  Depois, de lá meteu o pé e, atualmente, não está filiado a nenhum partido político.

- Marineth, ocê acredita na crendice popular de que “agosto é o mês do desgosto?”

- Claro que sim, Athaliba. Afinal, ditado popular e ditado popular. Isso diz tudo, né?

- Pois sim, Marineth. A crendice é de origem portuguesa. Lá, a expressão “casar em agosto traz desgosto” remete à época dos descobrimentos, quando caravelas navegavam para o Novo Mundo, geralmente em agosto. As noivas que casavam naquele mês corriam o risco de ficarem viúvas até mesmo antes de desfrutar da lua-de-mel. Antigos romanos, no século I, temiam agosto por acreditar que, no mês, um dragão cuspia fogo nos céus à noite. Em verdade era apenas a constelação de Leão que fica mais visível durante o período de agosto.

- Athaliba, agosto registra fatos históricos e trágicos: suicídio do presidente Getúlio Vargas; nascimento do escultor Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, do médico Oswaldo Cruz, do escritor Jorge Amado, do artista Caetano Velloso; morte da cantora Carmen Miranda, do poeta Carlos Drummond de Andrade, do cantor Raul Seixas, do ex-presidente Juscelino Kubitschek, de Deodoro da Fonseca, 1º presidente do país, entre tantos outros acontecimentos no Brasil.

- Marineth, chega. Xô, agosto, mês do desgosto!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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