O relevo, que este texto procura dar a um motorista, decorre do reconhecimento da importância e grandeza do trabalho que os motoristas realizam, essencial à vida das cidades e à vida do país.
O motorista faz fluir a atividade econômica, serve à convivência social e constitui um elo entre os seres humanos.
Somente nosso saudoso D. João Baptista da Motta e Albuquerque, ao que saiba, é que o chamava de Osmar.
Sim, porque seu nome civil é Osmar Santos Nogueira.
D. João, talvez pelo escrúpulo quanto ao dever de tratá-lo com a nobreza merecida, talvez simplesmente porque não gostasse do apelido, recusava-se a chamá-lo de outro nome que não Osmar ou, para ser ainda mais exato, sempre precedia o prenome de um vocativo carinhoso:
"Como vai, meu caríssimo Osmar?"
Com exclusão de D. João todos o conheciam apenas pelo nome de guerra: Tarracha.
O apelido veio dos tempos em que cumpria o serviço militar no Batalhão de Caçadores sediado em Vila Velha .
Uma janela, nas dependências do Batalhão, estava a despencar. O Sargento de guarda teve a idéia de pedir ao recruta Osmar uma sugestão para solucionar o problema. Osmar, solícito, respondeu com uma receita simples e óbvia:
"Atarracha a dobradiça, Sargento."
Esse conselho ao superior em apuros foi suficiente para que, com supressão da primeira letra do verbo, Osmar Santos Nogueira, dali para a frente, fosse bem mais conhecido como "Tarracha".
Tarracha trabalhava no mais tradicional e popular "ponto de táxi" de Vitória: o ponto da Praça Costa Pereira.
Tarracha foi um exemplo de dignidade, educação, responsabilidade, seriedade.
Um paradigma moral e humano, no exercício da profissão de motorista, como também um modelo como pessoa, na simplicidade de sua vida e na inteireza de seu caráter.
Esse trabalho árduo, de serviço à coletividade, de atendimento até mesmo gratuito a pessoas doentes e necessitadas, merece o aplauso da comunidade.
O relevo que este artigo procura dar, com toda justiça, a um motorista, a um trabalhador, remete-me a Cachoeiro, onde todos nós aprendemos belas lições.
O sentido da igualdade das pessoas, por exemplo.
E também a grandeza de todo trabalho humano.
Lembro-me, a propósito, de uma crônica de Rubem Braga. Fala de uma intensa discussão que houve em Cachoeiro, penetrando nos lares e nas escolas, espraiando-se pela nossa praça.
Debatia-se a melhor denominação a ser conferida a uma instituiçao que veio a ser das mais importantes e tradicionais da cidade.
Tratava-se do "Centro Operário E de Proteção mútua”.
Toda a discussão estava centrada nessa palavrinha "E". Venceu a presença do "E", com grande repercussão na postura da entidade.
A palavra "E" consolidava uma tese política e social: o Centro Operário não seria apenas um "Centro Operário de Proteção Mútua”.
Estaria aberto a outros cidadãos da cidade, mesmo que não fossem operários, mas que quisessem comungar com os operários o ideal da solidariedade.
A questão da aliança dos oprimidos com eventuais apoiadores, mesmo que estes não sintam na própria pele o estigma da opressão, foi e é objeto de elocubrações do pensamento político, no Brasil e no mundo.
É também plataforma de uma militância que alcança amplos setores da sociedade.
Como sempre, Cachoeiro tem a vocação da profecia.
Há tantos anos atrás lá já se constituía um "Centro Operário E de Proteção Mútua".
Tenho grande honra de ser, desde minha juventude, membro do "Centro Operário E de Proteção Mútua", plantado na minha terra natal.
A homenagem que tributo ao Tarracha recua-me ao que aprendi e vivi em Cachoeiro.
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