Coluna

O QUE PREENCHE NOSSOS DIAS?

Foto: Kamran Ch on Unsplash

Ao final dos nossos dias o que nos resta? Passamos um dia inteiro no trabalho, com amigos, em casa com a família ou sozinhos, o que fazemos desses nossos dias? O que preencheu nossos dias?

Chegando a noite, não nos lembramos de fazer um balanço dos acontecimentos ocorridos. Com o passar do tempo, o tão batido dia a dia se consuma em um mesmismo. De tanto repetir o cotidiano, obedecer aos horários, às normas, aos comportamentos a nossa vida tende a ser um procedimento burocrático. Por percorrer os mesmos caminhos, ver as mesmas pessoas quando cruzamos nossos olhares, encontrar no trabalho, na escola, nas compras as mesmas coisas, percebemos que o tempo transcorre cada vez mais rápido. Diferente daquele dia em que, sozinhos, enfrentamos a primeira ida à escola; comparecemos à primeira entrevista do emprego, ao primeiro encontro com a namorada desejada, o concurso tão esperado, e que levou tanto tempo para preparação.

Nesses dias, havia a emoção da primeira vez. Tudo era novo, tudo era diferente, tudo era desconhecido, tudo excitava. Estas emoções preencheram aqueles dias especiais.

Os dias são feitos de aventuras, os dias são feitos de desejos, os dias são feitos de esperança. E, na medida em que perdemos essas coisas, e que elas se tornam cotidianas, se tornam vazias e por consequência os dias se transformam em vazios também.

Seria possível transformar dias vazios em dias preenchidos? Se temos compromissos com nossos familiares, com nossos desejos pessoais, traduzidos nos horários, obrigações, contas a serem pagas, muitas vezes para satisfazer nossos desejos, o que achamos necessário para preencher nossos dias; para que os nossos dias se tornem plenos?

Resta saber se a satisfação do consumo é a única maneira de preencher os dias.

Não existem remédios, fórmulas milagrosas que possam dar lastro aos dias, torná-los plenos. Dias são dias um após o outro, numa sequência contínua, distante da nossa capacidade de interrompê-los. São fotolitos de um filme de nossa existência. E, como toda existência, tem um final. Que não será um final feliz, por que será um final, um salto para o desconhecido.

Dias são pequenos filmes com finais felizes. Cada dia é um acontecimento feliz simplesmente por existir. Dias começam não com a luz do sol aparecendo no horizonte. Dias começam quando despertamos e temos a oportunidade única de recomeçar, tomar decisões. Dias são preenchidos por pequenas vontades, mesmo na simplicidade de tomar um café naquele bar até então desconhecido. Dias são preenchidos por uma volta para casa a pé, e mesmo que não seja possível o trajeto ser feito em sua totalidade, ele pode ser feito um pouco antes, quando saltamos em um ponto de ônibus diferente e vemos pessoas diferentes, lugares diferentes, com uma loja que não sabíamos a existência, uma banca de jornal, uma situação engraçada que possa nos fazer sorrir, comprar um doce diferente em uma doceria, imaginar um hobby, talvez: coisas simples podem ser loucuras simples e pequenas, quem sabe o passaporte para uma loucura maior.

Dias são oportunidades de conhecer outro alguém, uma alma, possivelmente gêmea, que nos esteja aguardando em uma janela, ao cruzar um sinal, atendendo em uma loja, ou simplesmente pedindo uma informação.

Dias são loucuras pequenas, plenamente justificadas. Que nos faz chegar a casa com um pouco de alegria e novidades para contar e que vão preencher as noites. Ou dias são tempos preciosos para ler um livro, mesmo que no solavanco do ônibus, no intervalo do almoço, ou simplesmente em um passeio no parque.

Pequenas loucuras, pequenos desejos podem ser suficientemente grandes para preencher nossos dias e para que se tornem lembranças ou histórias para contar, e tirar do nosso rosto essa cara de tristeza.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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