Coluna

O BAR DO NANI

PORTO ALEGRE - O anúncio, num jornal no saguão do hotel, dizia que o “Tutti Giorni” era o bar dos cartunista. 

Tocamos para lá. 

Eu e a Sheila, que queria conhecer o famoso “Bar do Nani” - como o “Tutti Giorni”  é mais conhecido -, boteco frequentado por cartunistas em Porto Alegre. 

Localizado sobre o Viaduto Otávio Rocha - próximo ao nosso hotel - no Centro Histórico, esse é um dos locais mais "underground" da cidade de Porto Alegre. 

O “Tutti” fica, na verdade,  na descida da escadaria do viaduto. O boteco é pequeno. Difícil de achar, se você não for de Porto Alegre. Apenas uma placa preta fixada da entrada diz que ali funciona um dos bares mais famoso da cidade.

O nome, criado pelo cartunista Iotti, outro frequentador do lugar, que em italiano quer dizer “todo dia”, é um contra-senso, já que o bar não abre nos fins de semana. 

Nani
Nani, o dono do bar. (Divulgação)

Suas paredes estão cobertas por ilustrações, cartuns e caricaturas, obras originais, produzidas pelos cartunistas da cidade e visitantes, como nós, que se encontram ali para conhecer, beber e bater papo com o Nani.

Ernani, mais conhecido como Nani, é uma “figuraça”, com sua simpatia e bom humor conquista todos que cruzam as portas do “Tutti”.

Fiz a caricatura do Nani e também passei a fazer parte do acervo do bar, uma honra. 

Chegamos pouco depois da hora do almoço. Pouca gente lá dentro, e era terça-feira. 

Às terças-feiras, era o dia em que se encontravam ali o maior número de cartunistas por metro quadrado de Porto Alegre:  Edgar Vasques, Iotti, Santiago, Bier, Moa, Uberti, Juska, Hals Rafael Corrêa e, eventualmente, Ziraldo, Canini e Luis Fernando Veríssimo.

Aliás, a presença de cartunista se tornou uma das marcas principais do lugar, principalmente depois que as reuniões da Grafar (Grafistas Associados do Rio Grande do Sul) deixaram a Casa de Cultura Mario Quintana e passaram a acontecer ali.

Se o fenômeno de público é recente - diz o cartunista Santiago - o sucesso de crítica é bem anterior.

A fama do boteco começou em 1995, quando Nani ouviu de um amigo a sugestão de que disponibilizasse o espaço para que os integrantes da associação que reúne cartunistas, chargistas, ilustradores e quadrinistas do Rio Grande do Sul se reunissem todas as terças-feiras à noite. 

Muitos deles já eram clientes cativos do bar. 

O bar só abria durante o dia para o almoço, mas com o compromisso assumido com os cartunistas começou a abrir nas noites de terça.

Outra característica interessante do local é que o restaurante serve almoço simples a preços baixos, muito baixos. 

Aos poucos o bar começou a bombar, vinha gente de todas as áreas, do cinema, do jornalismo, da televisão. O pessoal vinha em função dos cartunistas mas aos poucos foram se reunindo em torno de uma roda de samba que os amigos do Nani começaram a fazer na porta do boteco.

caricatura tuti
Tutti buena gente. (ilustração do Edgar Vasques)

Foi assim, despretensiosamente, que nasceu um hábito de boa parte da boemia porto-alegrense. Na esteira do sucesso do “Tutti”, o viaduto da Borges de Medeiros acabou ganhando vida noturna própria. Hoje, centenas de pessoas se reúnem na porta do boteco nas noites de terça-feira.

Os cartunistas e suas obras continuam sendo a principal atração do bar, mas agora estão espalhados pelos dias da semana. A qualquer dia você pode esbarrar com um deles bebendo, desenhando nas mesas ou simplesmente batendo papo com o Nani.

No princípio, quem tocava o bar com Nani era Emílio e Espedito Marchioretto, o Mussa (porque era natural de Muçum/RS), pai de Nani e cozinheiro responsável pelo bife à parmegiana que fazia a cabeça dos frequentadores.

Mussa morreu em 1990, mesmo ano em que Oscar Simch (irmão de Edgar Vasques) começou a organizar leituras de poesia, todos os sábados, no Tutti.

Logo a fama do Tutti cresceu e cartunistas de todo o país e até de fora faziam visitas a todo instante. Até personalidades inesperadas surgiam do nada - como o cartunista Ziraldo e a cineasta Tizuka Yamazaki.

Sua importância para os artistas gráficos levou o bar a ganhar, em 2011, o Troféu HQ Mix na categoria “Homenagem Especial”.

Quando formos embora, vamos deixar para trás as belezas de Porto Alegre, mas as lembranças do “Tutti Giorni”, vamos levar para sempre.

Que o boteco continue fazendo sucesso Tutti Santi Giorni!

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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