Coluna

ESSA HISTÓRIA DE MORRER DE AMOR

Ninguém morre de amor, mas, eu não falo daquela morte matada, daquela que se joga da ponte, toma veneno e se mata porque não tem o amor de alguém, como se amor tivesse dono. Eu falo daquele morrer de amor que é um derretimento só, uma solidão de um pensar sem fim, que faz a gente sentar no banco da praça e achar que é o único no mundo. Esse morrer de amor é um paradoxo. Imagine alguém desfalecer, sucumbir, esmorecer por causa de um amor, quando se está de quatro, praticamente entregue, sem eira nem beira.

foto: morguefile.com

Digamos que alguém morra, de fato, dessa morte morrida, sem volta. Que chato! Amou alguém e partiu, e deixou o amor aqui entregue a alguém mais esperto, mais resistente, mais cheio de palavreado. Que coisa, essa coisa de morrer de amor!

Digamos, novamente, que você encontrou alguém, ficou perdida ou perdido, não consegue viver longe, quer sentir o cheiro, o toque da pele, ouvir a voz, trocar beijos quentes, alguém pode morrer assim, desse jeito? Brincadeira, gente, ninguém pode morrer depois, muito menos durante uma coisa dessas.

Tá. Vem você me dizer que morre de saudades. E precisa morrer para sentir uma coisa assim, tão diferente? Chega de saudades, nunca! Saudade é coisa boa, dessas que remexe lá por dentro, deixa com falta de ar, meio saudosa, ops, repetindo, é coisa que dói sem sofrimento, mas um sofrer meio ausente, que mesmo quando se está por perto, a saudade parece que aperta mais ainda porque tem um momento, ah! que é preciso se desligar do abraço, sair do beijo apertado e sentar no banco cansado, esperando o round seguinte.

Pode alguém morrer por isso? Imagine! Nem de longe! E isso, gente, é momento para se morrer, naquele precioso momento, que a gente esperou por tanto tempo e finalmente aconteceu? Caramba! Muita falta de imaginação (se é que isso é momento para imaginar alguma coisa). É hora de atuação.

Mas, está bem, vá lá que eu concorde. Morrer de amor, e quantos poetas não morreram. Mas, vocês já perceberam que todo poeta que fala em morte, na verdade não tem ninguém ao seu lado? Só a imaginação descontrolada, tentando justificar uma ausência. Que poeta perderia tempo em fazer poesia, se a própria poesia já está ao seu lado, e parte logo, poeta, para o ato de fazer poesia de fato, na cama, no amasso do portão, na entrada da janela deixada aberta para entrar o ar... da sua graça.

Mas, para resumir essa história de morrer de amor, é uma grande mentira, falácia, coisa de trouxa, para enrolar com palavras o que se quer dizer. Na verdade, minha gente, na dura, ninguém morre, tá vivendo e é de graça.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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