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ENTREVISTA COM O CARTUNISTA OTÉLO CAÇADOR

Na década de 90, eu editava o “Cartoon”, um jornal de humor com “os órfãos do Pasquim”, uma galera, que, com o fim do semanário carioca, ficou sem ter onde publicar. Junto com os cartunistas Jaguar (Pasquim), Ykenga (O Povo), Ferreth (O Dia) e Leonardo (Extra), fui entrevistar Otélo Caçador. 

Otélo - para quem não sabe - foi um cartunista que fez durante 33 anos uma página de humor - Penalty do Otélo - no jornal “O Globo”.

Otélo nos recebeu no bar Degrau, no Leblon, onde, entre um gole e outro, falou durante cinco horas sobre o Leblon, música, boemia, mulheres, amigos, humor e, claro, futebol. (Ediel Ribeiro)

cartunista otélo caçador vestindo uma camisa do flamengo
Otélo Caçador (Foto: Divulgação)

Leonardo – Otélo, como foi o começo? Quando você percebeu que queria ser desenhista?

Otélo – Ah, isso vem desde o tempo de colégio. Eu ficava desenhando a cara do professor, criava histórias em quadrinhos. Comecei como todo mundo.

Leonardo – Você jogou futebol?

Otélo – Joguei. Joguei futebol no Flamengo, mas era muito ruim.

Jaguar – Era ruim pra época ou hoje você jogaria?

Otélo – Não, não. Hoje ainda seria pior. Eu era ponta-esquerda que era mais próximo do vestiário. Era o primeiro a ser substituído (risos).

Ediel – Por quê, Otélo Caçador?

Otélo – Otélo, porque meu pai era admirador de ópera e Caçador é uma família do Norte, pequenininha.

Ykenga – Você nasceu no Leblon?

Otélo – Não, eu não nasci no Leblon. Eu nasci no Irajá, mas vim morar aqui ainda garoto. Na época, ainda tinha burro pastando, bonde, podia-se dormir com a janela aberta

Ykenga – No início, você teve que batalhar muito para publicar seus desenhos?

Otélo – Foi meio acidental. Eu tinha um amigo que trabalhava no “Jornal do Sports” e levou uns desenhos meus pra lá e o Mário Filho gostou.

Ferreth – Você tinha quantos anos, na época?

Otélo – Era garoto. Tinha 19 anos. Era desenhista de arquitetura.

Ykenga – Quem eram os bons da época?

Otélo – Não tinham muitos, não. Tinha a ditadura do Getúlio e as charges eram proibidas. Tinha o Teo, o Mendez e o Nássara.

Leonardo – Foi você quem trouxe o Lan para o Brasil?

Otélo – Eu influenciei um pouco. Eu conheci o Lan em 1951, em Buenos Aires. Ele estava num jornal chamado “Notícias Gráficas”; aí eu falei com ele sobre o Brasil, o Rio, as mulatas. Ele é apaixonado por mulatas. E ele veio. O Samuel Wainer o levou para São Paulo e daí ele veio pro Rio.

Ykenga – Qual era o estilo da época?

Otélo – Era mais a charge social, porque a charge política era censurada pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Você não podia nem dizer que tava faltando água na rua. Eu peguei duas ditaduras; a do DIP e a militar.

Ediel – Você foi muito censurado?

Otélo – Eu não era censurado porque eu fazia futebol e no futebol a censura era menor.

Ediel – Mas existia intervenção no futebol. Lembra o caso da convocação do Dario, em 70?

Otélo – Dizem que o João Saldanha, na época, técnico da seleção, disse pro Médici: “O senhor convoca seu ministério e eu escalo meu time”. Quase foi preso (risos). Uma vez, eu fiz uma charge, acho que contra o Palmeiras, e um general mandou me dizer que se continuasse sacaneando o time dele ele mandava cortar a minha mão (risos).

Ediel – Tem algum jogador que você tenha caricaturado e ele não gostou?

Otélo – O Brito. Eu fiz uma caricatura dele no programa do Chacrinha, ele olhou o desenho e disse: “Essa merda não sou eu, não” (risos).

Ediel – E o Brito era feio pra cacete! (risos). Quem eram seus ídolos?

Otélo – Eu sou fã do Nássara. O Nássara é o maior carioca. No dia que fizerem uma estátua representando o carioca, tem que ser o Nássara. Você faz uma pergunta pro Nássara e ele responde “carioca”: na sacanagem. E como caricaturista ele é formidável. Se o Nássara fizer sua caricatura e não ficar parecida, sua cara vai se transformando até ficar parecida com a caricatura (risos). 

Ykenga – Você acha que revolucionou a maneira de desenhar?

Otélo – Não é revolucionar. Não é nada disso. É que os colegas da época faziam um desenho mais parado; e eu, como fazia futebol, tinha que dar movimento aos bonecos, só isso.

Ferreth – O público de futebol era maior, na época?

Otélo – Era praticamente a única diversão que o povo tinha. Era barato. Era a praia e o futebol, o resto era caro ou censurado. Cinema era censurado, tudo…

Jaguar – No início da carreira você era duplamente reserva: era reserva do Ademir no futebol e do Péricles no jornal.

Otélo – Eu era reserva do Ademir porque ele era bom paca, e eu era ruim. Agora do Péricles eu não fui reserva, não. Ele veio primeiro pro Rio e ele era muito parecido comigo. Tinha aquele bigodinho. Ele desenhava pra “Cigarra” e eu pro “Jornal dos Sports”.

Ediel – Quando você conheceu o Péricles, em Pernambuco, você já desenhava?

Otélo – Eu já desenhava e ele também.

Ediel – Você veio pro “Jornal dos Sports” pra substituir um argentino chamado Lourenço Molas, ele teve alguma influência no seu traço?

Otélo – Olha, quando você tá começando, sempre sofre várias influências, né? Teve muita gente que me influenciou. Não há geração espontânea. Todo artista começa seguindo alguém seja lá quem for.

Ediel – No “Jornal dos Sports”, Mário Filho te aconselhou a mudar de nome, por quê?

Otélo – Por causa do Grande Otélo. Ele disse: “Por mais conhecido que você se torne, você jamais será tão popular quanto o Grande Otélo. Por que você não assina Caçador?” Mais eu queria que os garotos da minha rua – a João Lira, no Leblon – soubessem que era eu, Otélo, quem fazia aqueles desenhos no jornal. Aí, ficou Otélo, mesmo.

Jaguar – Como foi a criação da sua página de humor no jornal “O Globo”?

Otélo – Eu comecei fazendo charge diária. Aí, “O Globo” comprou umas máquinas a cores e eu passei a fazer os primeiros desenhos de humor coloridos do país. Não demorou, e o Roberto Marinho me chamou e perguntou: “você é capaz de fazer uma página inteira de humor?” Eu, garoto, disse que sim, e realmente fiz essa página durante 33 anos. Ganhei 23 prêmios e a página foi um grande sucesso.

* (continua na coluna de quarta-feira)

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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