Estelita, no leito, à beira da morte, depois de receber a extrema-unção do padre Quirino, sussurrou no ouvido da única filha, Nininha, a ninfomaníaca do Pico do Amor, em Alucard, quem era o seu pai. Ela mantinha o maior segredo da sua vida a sete chaves. Nunca havia revelado a ninguém, pretendendo levá-lo consigo para o túmulo. Promessa que cumpria ao amante que a engravidou. Mas, se deixou influenciar pelas palavras do padre, que citou Cirilo de Alexandria, dizendo que “se alguma parte de teu corpo está sofrendo... recorda-te também das escrituras inspiradas: ‘Alguém entre vós está doente? Chama o presbítero da igreja e deixa-o orar sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor’. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o soerguerá, e se ele está em pecados, esses serão perdoados”.
- Athaliba, a Nininha me contou que a mãe deu o último suspiro após dizer o nome de pai, com lágrimas nos olhos. Ela ficou pasma, boquiaberta; cobriu o rosto com as duas mãos e mergulhou num silêncio secular. A revelação contrariava todas as especulações que tivera até então sobre quem era o seu pai. Disse que, refeita do impacto, ainda sem fôlego, ouviu da mãe o pedido para que nunca o procurasse, pois isso arruinaria a vida dele. Trata-se de influente político alucardeano.
- Que história cabeluda é essa, Marineth?
- Pois é, Athaliba. Conheci Nininha numa reunião das Mulheres Aguerridas de Alucard, quando se definia pauta de reivindicações a ser apresentada à pastora evangélica e advogada Damares Alves, ministra das Mulheres e dos Direitos Humanos que faria palestra no Seminário Família Protegida, evento organizado pela Igreja Batista Central, na Penha. Tímida, beleza comparada a atriz Ana Brenda Contreras, ela dizia-me que a relação com a mãe era difícil. Não conversavam e viviam isoladas ocupando o mesmo espaço. A mãe era muito bonita e semianalfabeta. E a filha não tinha gosto pelos estudos.
- Por que ela ficou conhecida como Ninfomaníaca do Pico do Amor?
- Seguinte Athaliba: ela perdeu a virgindade ainda adolescente, com o namorado adulto que era assessor parlamentar, na época. A relação não passou de três meses. Ele contara que Estelita trabalhava como prostituta, em BH, aonde, recentemente, uma ocorrência policial levou ao fechamento de um bar e de uma pousada que funcionavam como casas de prostituição na região do Alto Paranaíba.
- Como foi isso, Marineth?
- Não soube, Athaliba? Um dos principais jornais de Minas Gerais, sob o título “Sexo ‘ruim’ faz homem chamar polícia e casa de prostituição é fechada” repercutiu o caso, registrado como “conflito de relação de consumo”. A dona do estabelecimento que intermediou o programa do casal acabou presa por favorecimento à prostituição. O homem de 52 anos pagara R$ 80 para a jovem de 19 anos e resolveu chamar a polícia para denunciar que estava “insatisfeito com os serviços prestados”. A mulher, porém, alegou que ele não conseguira uma “ereção completa”. Na falta da documentação do estabelecimento, fiscais municipais fecharam os locais, com mulheres confirmando que eram “usados para fins sexuais”.
Bem, Nininha terminou o namoro após discutir com a mãe sobre a atividade dela. Como só tinha a sua companhia nos dias pares da semana, ela levava vida desregrada depois da aula no ensino médio. Disse-me naquele nosso encontro que nos fins de tarde ia namorar no Pico do Amor, com alunos da escola. Cada vez pegava aluno diferente. Em algumas ocasiões eram com até dois colegiais ao mesmo tempo. Com o passar dos anos já contabilizava dezenas de relações sexuais e, por isso, os estudantes a apelidaram de Ninfomaníaca do Pico do Amor. No matagal que toma conta do local, casais fazem a festa.
- Marineth, a bulimia sexual excessiva é caracterizada como ninfomania e considerada um transtorno psiquiátrico, sem razões biológicas para explicar sua origem. O Código Internacional de Doenças considera o caso como compulsão, não relacionado à produção de hormônios sexuais.
- Athaliba, o assunto é muito delicado. E deve ser discutido amplamente na sociedade.
- Você tem razão, Marineth. A discussão não pode ser considerada uma proibição da prática de qualquer atividade social que seja moral, religiosa ou culturalmente reprovável. Mas, no tempo atual isso é difícil, pois impera o retrocesso político. O fato é que, segundo a psiquiatra Fernanda Piotto Fralloanrdo, “o diagnóstico é feito quando há incômodo da paciente. Ela procura muitos parceiros sexuais, mas não consegue se satisfazer. Na literatura médica há relatos de pacientes que tiveram até 50 relações sexuais em um mesmo dia. A mulher com compulsão por sexo já apresenta comportamento compulsivo desde criança, seja por doces ou por outros objetos; o mecanismo da compulsão é o mesmo, só muda o objeto”.
- É, Athaliba, quando o presidente Bolsonaro fala que o Supremo Tribunal Federal precisa de um ministro evangélico e o ministro da Educação Abraham Weintraub diz que estudantes são “coagidos” a participar de manifestações contra os cortes de verbas para o setor, isso nos releva o anacronismo político. Vou voltar a pichar muros protestando com a palavra de ordem abaixo a hipocrisia!!!
- Marineth, afinal Nininha revelou o nome do pai?
- Qual nada, Athaliba. Disse que era pessoa muito influente na política alucardeana, cliente assíduo da mãe.
- Bem, Marineth, vamos deixá-la entregue à guarda do segredo do nome do pai. O assunto me remete ao poema “Para o sexo a expirar”, do poeta Antônio Crispim, publicado no livro O amor natural, uma das cinco obras literárias publicadas após a morte dele.
“Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor – o braseiro radiante
Que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
A minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
Onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
Enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
Antes que, deliciosa, a exploração acabe.
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
E assim possa eu partir, em plenitude o ser,
De sêmen aljofrando o irreparável ermo”.
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o concurso nacional Poesias de jornalistas, homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS.
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