Não são apenas os acertos que nos ensinam. Também os erros podem ensinar. Este articulista começava as atividades no Ministério Público, servindo em Cachoeiro de Itapemirim, sua cidade natal.
Uma funcionária pública requer à Justiça a alteração de seu prenome. Tinha sido registrada como Sara. Mas na adolescência, porque lera um livro no qual a heroína tinha o nome de Sarah, com h no final, resolveu alterar também seu prenome.
Aproveitando-se do rebuliço de um período pré-eleitoral, fez-se eleitora como Sarah. E dali em diante, deixou de lado sua certidão de nascimento e passou a usar o título de eleitor como seu documento padrão. Assim, com o prenome de Sarah casou-se, ingressou no serviço público e pleiteava agora a aposentadoria. Um zeloso servidor, rebuscando as páginas do processo, raciocinou: como aposentar Sarah, se Sarah não existia no mundo da lei? O nome da pessoa é o nome que consta do Registro Civil. Só havia um caminho para resolver a embaraçosa situação: obter a retificação do registro. Com o beneplácito da Justiça, tudo ficaria nos conformes.
Sarah pleiteia então o “acerto” do seu prenome. O juiz determina que se ouça o Ministério Público.
Lavro então, como Promotor, o parecer. A requerente estava pretendendo a adulteração de seu prenome. De acordo com o vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras, Sara grafa-se sem o “h” final. Assim, uma pessoa registrada corretamente como “Sara” não pode pretender a corrupção ortográfica de seu prenome para chamar-se “Sarah”. O que a lei admitia é o contrário, ou seja, o prenome grafado erroneamente podia ser corrigido.
Foi um parecer fundamentado, mas hoje eu não o subscreveria. Naquele tempo eu supunha que soubesse Direito. Mas me prendi à interpretação literal da norma jurídica. Há possibilidades hermenêuticas para apreciar de forma diferente a matéria, principalmente com o uso da interpretação teleológica. Esse tipo de interpretação ensina que a finalidade do preceito em exame é impedir que através da mudança irresponsável do nome civil as pessoas se valham do expediente para objetivos escusos. Não estava seguramente abrangida pela proibição legal a pretensão da Sarah, minha conterrânea, que queria apenas corrigir, na maturidade, um arroubo poético de sua adolescência e que agora lhe trazia prejuízo.
Com a vivência que os anos proporcionam, eu daria a Sarah até mais de um “h” no seu prenome, se isso fosse útil a sua vida.
Que a confissão deste erro seja um conselho aos jovens estudantes e profissionais do Direito. A lei é apenas um caminho no labor do jurista. O destino final, sem dúvida, é a Justiça. A lei nunca pode trair a Justiça.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, professor, escritor.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
Site: www.palestrantededireito.com.br
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