Coluna

Bahia e Rio unidos na Tijuca

- Marineth, o título do enredo da escola de samba Unidos da Tijuca é quilométrico: É onda que vai, é onda que vem; serei a Baía de Todos os Santos a se mirar no samba da minha terra. Isso me fez comparar em tamanho com o gigantesco trem de 163 vagões abarrotados de minério de ferro que corta a cidade mineira de Itabira do Mato Dentro, dia e noite, faça chuva ou faça sol. O saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade, filho ilustre daquela urbe, no poema “O maior trem do mundo” denunciava que “O maior trem do mundo/Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel/Engatadas, germinadas, desembestadas/Leva meu tempo, minha infância, minha vida/Triturada em 163 vagões de minério e destruição/O maior trem do mundo/Transporta a coisa mínima do mundo/Meu coração itabirano/Lá vai o maior trem do mundo/Vai serpenteando, vai sumindo/E um dia, eu sei não voltará/Pois nem terra, nem coração existem mais”. Triste, né?

Título quilométrico da Unidos da Tijuca do tamanho do trem com dezenas de vagões que transporta minério de ferro em Itabira do Mato Dentro.
Título quilométrico da Unidos da Tijuca do tamanho do trem com dezenas de vagões que transporta minério de ferro em Itabira do Mato Dentro. Divulgação - 

- Athaliba, os títulos dos temas das escolas de samba Imperatriz Leopoldinense e Grande Rio também são a perder de vista. O da agremiação suburbana é: O aperreio do cabra que excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida. Enquanto a escola da baixada carrega nas costas Ô Zeca, o pagode onde é que é? Andei descalço, carroça e trem, procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber e batucar. O mais sedutor de todos é o da Acadêmicos do Salgueiro: Delírios de um paraíso vermelho. O mais pragmático é o da Império Serrano: Lugares de Arlindo, que celebra seu nobre integrante, o músico, cantor e compositor Arlindo Domingos da Cruz Filho.

- Marineth, o carnavalesco Jack Vasconcelos é o autor do enredo da Unidos da Tijuca. No entendimento de um dos autores do samba-enredo, Cláudio Russo, interpretando a sinopse que orientou na composição musical, “a Bahia e o Rio são dois maiores pólos culturais do Brasil”. Ele assina o samba com os parceiros Tinga e Júlio Alves, reafirmando que “juntar a Bahia com o Rio não tem como não dar em samba e carnaval, pois são duas potenciais culturais no país”.

- Athaliba. É o seguinte: O compositor tem o direito de puxar a brasa para a sardinha dele, cantando vitória pela escolha do samba que irá embalar o desfile da escola. Mas, daí a rotular o Rio e a Bahia nos jornais como “dois maiores pólos culturais do Brasil” é depreciar as tradições marcantes de lutas, festas e folclores de outros estados brasileiros. A cultura é infensa no Brasil!

- Marineth, o carnavalesco traçou roteiro do tema em capítulos, ordenando o desfile, com início no mar, seguido de terra, de santos, do povo, do reino e culminando com festa. No tópico do povo, ele descreve que “sou a fartura que faz as redes do povo do mar pesarem em alegria; de mim vem o sustento de pescadores, marisqueiras, catadores de pinaúna, de siri-boia, papa-fumo, chumbinho, salambi, peguari, rala coco. Meu balanço ensinou o Marinheiro Só a nadar nos versos cantados na capoeira dos estivadores e no ritmo das Marujadas e Cheganças”, dentre outros detalhes.

- Athaliba, como ele explica o primeiro capítulo do enredo?

- Marineth, com relação ao mar, Jack Vasconcelos argumenta que “sou Kirimurê, o grande mar interior do povo Tupinambá; nasci de uma ave encantada decaída do céu. Contavam os indígenas antigos que seu coração abriu a terra quando tocou o chão, foi preenchido com o mar do Atlântico e suas alvas asas bordaram de areia meu contorno. Sou a mãe cujos filhos são peixes, de águas mornas e mansas onde as baleias cantam”.

- Bem, Athaliba, vou assistir o desfile da Unidos da Tijuca para entender como o Jack irá destrinchar na prática o tema de extensão quilométrica no título. Será de fácil assimilação para o povão que lota e sacode as arquibancadas a mercê do tempo? Será que a plateia granfinada de endinheirados e de alcunhados famosos e celebridades nos camarotes e áreas vips entenderá?

- Marineth, quem viver verá! A UT, abreviação de Unidos da Tijuca, tem no currículo quatro títulos de campeã do Grupo Especial. A origem é o Morro do Borel. O símbolo é a ave pavão, tendo a cor azul e amarelo ouro. A data de fundação é 31 de dezembro de 1931. Um dos títulos da escola se deve a um tema tradicional, homenageando o artista Luiz Gonzaga, o rei do baião. Também com o carnavalesco Paulo Barros a escola sagrou-se campeã com o enredo Acelera, Tijuca!,em homenagem ao piloto Ayrton Senna. Em 2022, com o tema Waranã – A reexistência vermelha, desenvolvido por Jack Vasconcelos, a escola ficou em 9º lugar. Que ele tenha melhor sorte agora em 2023, saracoteando o enredo de título gigantesco pelo sambódromo.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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