Cerca de dois anos depois de o Ministério da Saúde começar a fornecer fatores VIII e IX suficientes para o tratamento que evita sangramentos em hemofílicos, pacientes continuam recebendo a medicação só depois que sangram, diz Tânia Pietrobelli, presidenta da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH).
Para a professora de hematologia da Universidade Estadual de Campinas, Margareth Ozelo, há resistência de muitos pacientes em aderir ao tratamento, que é aplicado por injeção pelo menos duas vezes por semana. Ela destaca que com informação e educação, o tratamento preventivo está sendo aos poucos disseminado.
“Às vezes, falta estrutura no serviço para insistir no tratamento preventivo e vencer a resistência dos pacientes. Muitos se tratam depois do sangramento e não voltam ao centro para continuar a prevenção. Outros, principalmente mães de crianças hemofílicas, acham traumático o tratamento com injeções”, lembra a hematologista. Ela considera, porém, que está crescendo a adesão ao tratamento preventivo.
Para Margareth, como a disponibilidade do medicamento é relativamente recente, talvez ainda haja, principalmente em pequenos centros, a necessidade de mais engajamento dos profissionais. “Em alguns locais, o setor de hemofilia precisa estar melhor estruturado, principalmente em serviços menores, você não encontra experiência”.
A especialista explica que a hemofilia é uma doença genética ou congênita causada pela deficiência de um dos fatores de coagulação do sangue. No caso da hemofilia tipo A, a deficiência é no fator VIII, no caso da tipo B, é o fator IX. Apesar de homens e mulheres poderem ser portadores do gene que provoca a doença, normalmente apenas os homens manifestam os sintomas. No Brasil vivem cerca de 20 mil pessoas com hemofilia.
O tratamento profilático é a aplicação contínua dos fatores VIII ou IX, dependendo do tipo de hemofilia, que evita os sangramentos típicos da doença. Os sangramentos podem ser externos, quando ocorrem cortes na pele, ou internos - dentro das articulações, dos músculos ou em outras partes do corpo.
Nas pessoas que têm grau leve de hemofilia, os sangramentos costumam ocorrer com simples pancadas, mas em pessoas com hemofilia grave eles podem ser espontâneos, nas articulações ou nos músculos.
Segundo a FBH, as articulações mais afetadas são os joelhos, cotovelos e tornozelos. “O maior problema é que os sangramentos reduzem a qualidade de vida, levam a sequelas e dores permanentes, já que há dificuldades na coagulação. O sangramento destrói a cartilagem e o osso e pode levar à deficiência física permanente desde a mais tenra idade”, explica Tânia.
Além disso, ela lembra que a falta de tratamento preventivo traz custos para os cofres públicos. “Essa pessoa não vai estudar, não vai trabalhar e vai fazer cirurgias de grande porte se não fizer a prevenção”, disse. O uso contínuo dos fatores VIII e IX, conforme recomendação médica, evita os sangramentos e, consequentemente, as sequelas.
O mineiro Roberto Motta, de 53 anos, membro da Associação de Hemofílicos de Minas Gerais, já passou por uma cirurgia no quadril e vai passar por outra no joelho em decorrência dos sangramentos. “Antigamente, não tinha o tratamento preventivo. Era esperar sangrar para tratar”. Ele conta que se formou cabeleireiro, mas logo se aposentou porque teve os movimentos comprometidos.
A presidenta da FBH diz que até 2010 o Brasil só tinha um tratamento de sobrevivência, ou seja, os pacientes só recebiam a medicação depois que sangravam e que hoje há uma busca pela qualidade de vida dessas pessoas. Este ano, a FBH e o Ministério da Saúde foram premiados pela Federação Mundial de Hemofilia pela disponibilização do medicamento para prevenção dos sangramentos.
Segundo o ministério, são disponibilizados para os estados e municípios 3,9 unidades internacionais (UI) de fator VIII per capita, enquanto a indicação da Organização Mundial da Saúde e da Federação Mundial de Hemofilia é 3 unidades per capita.
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