O Ministério Público Federal (MPF) informou que recorreu da decisão em que a Justiça Federal excluiu oito integrantes da alta cúpula da mineradora Samarco do julgamento sobre a tragédia de Mariana (MG). Eles eram acusados de ter participado de decisões que culminaram no rompimento da barragem em novembro de 2015. No episódio, 39 milhões de metros cúbicos de lama vazaram da estrutura provocando 19 mortes, destruição de comunidades e poluição na bacia do Rio Doce.
A tragédia de Mariana não resultou, até o momento em nenhuma prisão, nem de caráter temporário. Atualmente, nove dos 22 denunciados seguem como réus. Entre eles, o então presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, e o então diretor-geral de Operações da empresa, Kleber Terra. Além disso, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton também continuam respondendo no processo.
Nenhum dos réus remanescentes no processo, no entanto, responde mais pelos crimes de homicídio e lesões corporais conforme decisão tomada em abril deste ano pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O julgamento prossegue para os crimes de inundação qualificada e desabamento tipificados no Código Penal e por mais 12 crimes previstos no Código Ambiental.
Entre os oito recém-excluídos do processo estão executivos da Vale e BHP Billiton que ocupavam cadeiras na governança da Samarco ou no seu Conselho de Administração. No recurso, o MPF afirma que eles desempanhavam papel preponderante na gestão dos riscos da barragem. A peça cita trecho de ata em que o Conselho de Administração, no ano de 2011, recomendou que a Samarco reavaliasse a relocação das comunidades situadas próximas à estrutura. "O mesmo Conselho de Administração pressionou pela redução de gastos, entre eles os de segurança, e elencou outras prioridades, entre as quais, maximizar o pagamento de dividendos aos acionistas", diz o MPF.
Denúncia
A denúncia do MPF foi resultado de quase um ano de investigação após a tragédia, sendo apresentada em 20 de outubro de 2016 e apontou 21 pessoas como responsáveis pelos crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se assume o risco de matar sem se importar com o resultado da conduta. O 22º denunciado foi o engenheiro da empresa VogBr, Samuel Loures, que assinou documento garantindo a estabilidade da barragem que se rompeu. Ele responde sozinho pela emissão de laudo ambiental enganoso.
Cerca de um mês após ser apresentada, a denúncia foi aceita pelo juiz Jacques de Queiroz, da Vara Federal de Ponte Nova. A tramitação do processo, porém, vinha sofrendo com interrupções. Em 2017, por exemplo, o depoimento de testemunhas foi cancelado e houve uma paralisação que durou mais de quatro meses para análise de alegações feitas pelas defesas de Ricardo Vescovi e Kleber Terra. Eles pediam a anulação da ação, sob o argumento de que foram usadas provas ilegais, como escutas telefônicas que teriam sido feitas fora do período determinado judicialmente. Em novembro de 2017, o juiz considerou a solicitação improcedente e determinou a retomada do processo.
O trancamento da ação para os crimes de homicídio e de lesão corporal em abril deste ano se deu em decisão unânime do 4ª Turma do TRF-1. Foi permitido que o processo prosseguisse apenas em relação aos crimes ambientais de desabamento e de inundação. Os desembargadores Olindo Menezes, Cândido Artur Medeiros Ribeiro Filho e Néviton Guedes avaliaram que a denúncia do MPF não reunia elementos para configurar homicídio.
Habeas corpus
O TRF-1 também determinou, em habeas corpus, o trancamento total da ação penal para alguns indiciados da Vale e da BHP Billiton no Conselho de Administração da Samarco. Os desembargadores consideraram que o fato de eles participarem de algumas reuniões administrativas não seria suficiente para estabelecer suas responsabilidades no rompimento da barragem.
Foi com base na posição do TRF-1 que o juiz Jacques de Queiroz optou, no dia 20 de setembro, pela rejeição tardia da denúncia em relação aos oito executivos, excluindo-os do processo. "Na linha do decidido pelo TRF-1, o fato de o paciente participar de algumas reuniões do Conselho de Administração da empresa Samarco compondo quórum de deliberações administrativas voltadas aos interesses da empresa, cumprindo o papel social que dele se esperava, como, por exemplo, aquelas relacionadas com distribuição de lucros, redução de pessoal ou de despesas de custeio, não pode ser incluído na relação causal para fins de aplicação do direito penal”, escreveu o magistrado.
Para o MPF, a decisão do juiz se deu com base em paradigmas de casos individuais, que não poderiam ser estendidos a outros réus que se encontram em situações diversas. Segundo consta no recurso, os oito executivos teriam contribuído para a decisão de manter a operação da barragem mesmo em um cenário de risco, quando podiam fazer o inverso. "O conhecimento dos riscos pelos denunciados em decorrência de suas funções na Governança da Samarco foi confirmado não só por depoimento de uma testemunha que já depôs em juízo, como por documentos da própria mineradora", acrescentou o MPF.
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