Coluna

“A PM destruiu minha família”

enterro no RJ
"Levaram meu coração e meu útero", disse Sônia, desolada, no enterro simultâneo do filho Samuel e do marido Willian, mortos por PMs com tiros de fuzil (Reprodução) - 

- Athaliba, a dor que estraçalhou as entranhas de Sônia Bonfim Vicente, ao ver os corpos do filho Samuel, de 17 anos, e do marido, Willian, 38, baixar à cova rasa em enterro simultâneo, no cemitério de Olinda, no Município de Nilópolis, na Baixada Fluminense, 28/9, causou-me profunda tristeza e revolta. Durante o tempo de exibição das imagens do funeral, no noticiário da TV, percebi o quanto a angustia, amargura e aflição tornava frágil aquela mulher. Aos soluços ela balbuciava que “espero que a justiça seja feita; esses policiais destruíram minha família; eles tiraram dois pedaços de mim: levaram meu coração e meu útero”.

- Que tragédia é essa, Marineth?

- Athaliba, a mãe de Samuel foi taxativa em dizer que o filho e o marido, Willian, foram brutal e covardemente fuzilados a tiros por PMs. Padrasto e enteado transportavam, numa motocicleta, Camily da Silva Apolinário, de 18 anos, namorada do rapaz, para uma Unidade de Ponto Atendimento - UPA -, no bairro Ricardo de Albuquerque, pois ela se sentiu mal em uma festa no Complexo do Chapadão. Willian estava em casa e atendeu pedido do enteado para socorrer a namorada, colocando o casal na motocicleta. Os três seguiam para a UPA quando os PMs Edson de Almeida Filho e Leonardo Soares Carneiro atiraram neles. A jovem acabou sendo atingida também pelos disparos. O caso ocorreu na Rua Capri, no bairro Anchieta.

- Marineth, ano passado, o Rio de Janeiro registrou 775 mortes por intervenções policiais, sendo 80% das vítimas pretas e pardas e mais da metade com idade entre 15 e 24 anos. Esses dados foram colhidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP – e figuram no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Essa desgraçada estatística, infelizmente, poderá ser superada neste ano, mesmo na crise da pandemia do COVID-19 que já matou quase 600.000 pessoas no país. Se o deputado federal Marcelo Freixo for candidato e vencer as eleições para governador do Rio, em 2022, ele será cobrado a propor a extinção da Polícia Militar. Freixo foi presidente da Comissão de Inquérito das Milícias, em 2008, que pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes penitenciários e bombeiros. Veja no link: http://www.nepp-dh.ufrj.br/relatorio_milicia.pdf.

- Athaliba, além de matar de forma covarde Samuel e Willian e balear Camily - ela levou 54 pontos nos ferimentos a bala -, os PMs Edson de Almeida e Leonardo Carneiro tentaram forjar a versão de que o rapaz carregava um fuzil. Os PMs, em depoimentos, caíram em contradições. No primeiro depoimento, inclusive, na 31ª Delegacia Policial, o inspetor que colheu os relatos acabou repetindo, absurdamente, a versão de um militar e não ouviu o segundo para “facilitar o trabalho”. A cúpula da polícia civil reconheceu o grave erro e voltará a tomar novos depoimentos dos PMs.

- Marineth, em diversos casos do que se convencionou chamar “intervenção policial”, ação em que PMs matam inocentes, soldados militares sempre alegam que matam em legítima defesa.

- Athaliba, a jovem Camily Apolinário, que sobreviveu à ação criminosa dos PMs, prestou depoimento por três horas à polícia no inquérito que apura o caso, que ocorreu dia 25/9. Ela teve que voltar ao hospital, em seguida, para refazer pontos nos ferimentos que se romperam. Depois, em cadeira de rodas, devido à gravidade dos ferimentos que limitam os movimentos das pernas, esteve no gabinete de uma parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ -, cuja Comissão de Direitos Humanos solicitou a inclusão do nome dela no Programa de Proteção à Testemunha. Familiares de Samuel e Willian, ainda no Instituto Médico Legal - IML -, onde estiveram no domingo para liberação dos corpos, denunciaram que PMs estavam coagindo parentes de Camily. Para integrantes daquela comissão, “o caso leva perigo de vida para ela e os familiares”.

- Além de forjar “intervenção policial”, Marineth, é prática comum também essa atitude de constranger testemunhas de crime.

- Athaliba, a mãe de Samuel, desolada com as mortes do filho e do marido por tiros de fuzil calibre 762, demonstrou profunda indignação com a falsa acusação dos PMs de que ambos eram bandidos. “Meu filho - revelou - tinha o sonho de ser militar, tinha tanto amor pela farda e acabou morrendo pela farda. Ele estudava em um colégio cívico-militar e ia se apresentar no Exército ainda este ano. Os PMs tentam encobrir o assassinato dizendo que eles estavam com drogas e armas. Camily só tinha passado mal e Samuel e meu marido foram levá-la à UPA”.

- Marineth, da música “Bravas mulheres”, de Paulo César Feital e Clarisse Grova, à Sônia as nossas condolências com o verso “Chora, pois eu sou brasileira, parideira, a matriz da pátria”.
 

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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