Vóinha sempre repete que a gente só dá valor pras coisas depois que perde. Vóinha tem razão. Fiquei 1 final de semana longe da minha quebrada pra nunca mais. Tenho 16 anos, ainda não vivi muito, mas quero que todos os meus próximos anos sejam vividos aqui. A comunidade me basta, sabe? Na minha imaginação, cada morador tem um super poder, estes poderes servem pra combater o racismo estrutural, que todos os dias tenta convencer o nosso povo a deixar de sonhar. 

O super poder de Dona Jurema é zelar pela nossa alimentação, ela é do movimento Rastafari e aprendeu com esse pessoal a dieta I-tal. Sempre que aparece uma criança com muito ou pouco peso, Dona Jurema prepara um suco milagroso. Ela também sabe identificar as feiras e sacolões da cidade onde os alimentos não contém agrotóxico. Para ela a segurança alimentar da favela é a nossa principal arma contra o genocídio estatal. 

Pedrim é um daqueles jovens que já fez tudo que não presta na vida, e depois de conhecer o inferno, voltou de lá obstinado a fechar essas portas malignas e engolir a chave. Toda vez que um menor fala de roubar alguma coisa, ele mora na mente do menor por horas a fio. Isso quando não vira a noite fazendo bicos e mais bicos pra conseguir a grana e comprar o que o menor tá precisando. O super poder de Pedrim é zelar pela nossa segurança, ele é um abolicionista do sistema penal! 

Serena é a idealizadora de um cursinho popular afrocentrado na quebrada. Ela defende que as Escolas, salvo raras exceções, são aparelhos de reprodução do racismo, contam histórias mentirosas de nossas origens, de nossos antepassados e traumatizam gerações com narrativas distorcidas. O seu super poder é afroreferenciar os nossos dias. Diante de qualquer situação, desafio ou problema, ela sempre busca soluções africanas e com isso nos liberta um pouco dos vícios ocidentais. 

O super poder do Seu Gil é garantir que a alegria da Comunidade nunca esmoreça. É ele quem organiza o baile funk nas sextas feiras, o samba de roda no sábado e o pagode na laje no domingo. Sério, eu nunca vi esse homem triste, faça chuva ou faça sol ele sempre tá com seu copo de cerveja na mão, comentando o resultado do jogo e dando boas gargalhadas. Pra ele, a alegria é a chave do sagrado! 

É aqui, na minha quebrada, que eu aprendi que viver sempre implica em viver com. 

A comunidade é o farol e o espelho de cada criança e cada adolescente. É onde as pessoas se reúnem pra batalhar por um objetivo específico, para ajudar os outros a realizarem seu propósito e para cuidar umas das outras. Podem tirar qualquer coisa de mim, menos a minha comunidade! 

Quando você não tem uma comunidade, não é ouvido; não tem um lugar em que possa ir e sentir que realmente pertence a ele; não tem pessoas para afirmar quem você é e te ajudar a expressar seus dons. Essa carência enfraquece a mente, tornando a pessoa vulnerável ao consumismo e às armadilhas que o acompanham.

É por isso que pra mim, o sentido da vida se encontra em uma frase: Pegue aquilo que você faz de melhor e faça isso pela sua comunidade!