Coluna

PORTAS

Quando caminhamos pelas ruas repletas de casas, moradas diversas em tamanhos e cores, nós as identificamos pelas janelas e pelas portas, portarias, entradas, sendo estes os únicos acessos aos seus interiores.

As portas, sempre fechadas, nos trazem a curiosidade. As janelas, algumas vezes abertas, nos permitem ver os interiores, embora encobertos pelas cortinas, com o vento cúmplice que sempre encontra uma maneira de revelar o que as casas guardam.

No entanto, as portas não. A maior parte do tempo, elas permanecem fechadas, e mostram a virada dos tempos. Foram trancadas, reforçadas e sempre abertas com desconfiança: portas desconfiam de todos.

portas
Foto: Robert Anasch en Unsplash - 

Em outros tempos, foram braços abertos para receber o visitante. Em novos tempos são barreiras para o perigo que ronda as ruas. O sinal dos tempos é o tempo em que as portas foram, gradativamente, fechando, e o tempo em que permanecem abertas foi se reduzindo.

Vendo as portas podemos perceber que algumas valem a pena ser abertas para satisfazer a curiosidade do visitante, outras não.

Indivíduos são, também, moradas, mas de pensamentos, expressando seus sentimentos nos olhos, janelas para o exterior, e as palavras que saem pela boca podem ser deduzidas pelo olor que elas trazem do interior. Uma imagem forte para pensamentos fortes.

Indivíduos são mundos de curiosidades. Alguns podem revelar mundos interessantes e outros não, mundos tenebrosos com pensamentos idem. Portanto, indivíduos são moradas onde não vale a pena abrir as portas para entender ou ver aquilo que não vai modificar nossas vidas. Pelo contrário, elas não devem ser abertas por nós, apesar de parecerem franqueadas à curiosidade e venderem aquilo que não têm capacidade de entregar.

Existem indivíduos que não merecem ter alguém curioso para abrir suas portas, porque são portas que não levam a lugar algum.

A associação está em que as moradas podem parecer estar sempre abertas, como aqueles que entram em uma discussão, apenas para abrir suas portas, mas que, no fundo, são armadilhas para pegar incautos. Algumas moradas são apenas depósitos de pensamentos que não conseguem se conter, não conseguem se transformar em alguma coisa, ou qualquer coisa com aparência de bom entendedor. Se escondem na aura dos bons pensamentos, nas frases construídas de bons princípios. São armadilhas para enganar o visitante. Até porque, o atrativo da armadilha é o objeto de desejo do esperançoso: os braços abertos de boas-vindas.

Existem portas que não levam a lugar algum, e não merecem uma resposta, e devem ser sempre apontadas pelos que passam pela rua da imaginação que ali, naquela porta, aparentemente, de braços abertos, se esconde tudo aquilo que não merece a luz do sol.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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