Coluna

O QUE O POETA VÊ

Álvaro Serrano/Unsplash

A visão do poeta não busca reconhecer, nas palavras, as teorias que estão nelas; a visão do poeta vai além do conhecimento, do colocar palavra sobre a palavra em uma construção inexistente. A visão do poeta procura descobrir nas imagens, a diferença entre a ficção e a realidade.

Um poeta não manipula as palavras na busca do discurso que agrada; um poeta organiza as palavras e as hierarquiza para melhor construir o que imagina.

Um poeta não enxerga um mundo organizado, porque o mundo de onde o poeta retira suas imagens é a imaginação pura e rara, onde a verdade que existe é apenas a verdade enfeitiçada. Um poeta se dispõe a ver o que não existe no real e, ao fazê-lo, fala mais da realidade do que aquilo que nós vemos.

Um poeta se perde em suas fantasias, porque se nega a entender o mundo dos sentidos dos seres humanos, normais. Ele se desloca pela incerteza consciente, olha o horizonte com uma luneta mágica, certo de que poderá encontrar aquilo que ninguém vê, ou finge que não vê, preferindo permanecer de frente para as paredes de sombras.

O poeta salta a janela da imaginação e, vestido de sua fantasia, começa a enxergar nosso mundo do lado de lá, o mundo que se esconde dos nossos olhos, o mundo onde as cores não são as cores que conhecemos, mas se enchem de significados que ele traduz contra a vontade; porque, por sua vontade, a realidade é que deveria ser traduzida para aquilo que ela é de fato e não em uma representação em linguagem empobrecida.

Um poeta não quer possuir, nem desejar algo, ele somente quer olhar com os olhos que ninguém tem, tocar com as mãos aquilo que todos querem possuir e se entregar de corpo e alma à sereia que canta ao longe.

Um poeta escreve com os olhos abertos para a imaginação e fechados para o real, imagina o desejado sem nem saber sua forma, espessura, tamanho. Um poeta se entrega aos olhos da imaginação e já deseja algo sem nem mesmo saber da sua existência.

Na imaginação, os olhos não têm o poder de ver fisicamente, se entrega a muitos pontos de vista sem estar parado em nenhum ponto. Um poeta não se coloca no topo do mundo para enxergar melhor do que os outros mortais. Um poeta não tem ciúme do que vê, apenas a angústia de não poder descrever o objeto de desejo que imagina.

Ele sabe, certamente, que sempre faltará algo, um detalhe que não deixa os outros olhares enxergarem como ele. E por isso, ele consegue permanecer no topo do mundo, pois por mais que ele traduza, vague pelas palavras, outros olhares não enxergarão mais do que ele.

O poeta é um avarento sem sentido: é dono único de um objeto, quer partilhá-lo para outros olhares, e a sua luta é inglória na arte de poder transmitir o que vê e o que sabe.

O poeta é generoso e irônico: dá o que todos desejam na certeza de que por poucos será entendido.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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