Coluna

UM MINISTRO NO GOVERNO ERRADO

Rio de Janeiro - As coisas tem acontecido tão depressa nos últimos dias no governo Bolsonaro, que a Secretaria de Comunicação (SECOM) não tem mais tempo de fazer uma declaração para cada crise ou troca de ministro.

Para resolver o problema, o presidente redigiu um texto que deve ser lido, obrigatoriamente, por todos os novos ocupantes do primeiro escalão do governo.

Aflito, o secretário de comunicação Fábio Wajngarten, parado na porta do salão nobre do Palácio do Planalto, consultava o relógio, aguardando a chegada do novo ministro do velho Ministério das Comunicações.

Fábio Faria chegou correndo, ainda vestindo o paletó.

- Tô atrasado? Desculpa, estava escrevendo meu discurso.

- Esquece. Toma o “seu” discurso. Vamos, vamos!! - disse o secretário, recolhendo o discurso escrito pelo ministro.

O salão estava lotado. A claque animada e, de fundo, a musiquinha: “Silvio Santos vem aí, pam, pam, pam, pam, pam. pam…”

O SBT filmando tudo.

Já no púlpito, Fábio Faria procurou no bolso do paletó o discurso do presidente e não encontrou. Resolveu improvisar. Foi aí que a coisa desandou.

Quem ouviu o novo inquilino da Esplanada teve a sensação de que Fábio Faria virou ministro do governo errado.

O ministro começou falando em um acordo que suspenda temporariamente as hostilidades entre os lados envolvidos na disputa política e sobre o foco no combate à pandemia.

Bolsonaro olhou com cara de poucos amigos para o secretário ao seu lado.

Fábio continuou, eufórico, falando em “abertura ao diálogo”, "eliminação de diferenças político-ideológicas” e “pacificação do país”.

Bolsonaro cutucou Wangarten:

- Cadê o “meu discurso”? Você não deu pra ele?

- Dei, sim, presidente. Ele deve estar fazendo uma “pequena introdução própria”.

- Se ele continuar assim, o Supremo vai achar que eu estou afinando, talkey?

O novo ministro continuou, pedindo "união na luta contra o coronavírus".

Bolsonaro cochichou no ouvido do secretário:

- Nada disso daí. Zero. Eu não quero união com ninguém. O Supremo transferiu o combate ao Covid-19 para os governadores e prefeitos. Eles que se virem.

O ministro seguiu pedindo "diálogo entre os poderes", demonstrou respeito aos que "pensam diferente".

Arte - Nani

A fala irritou o presidente:

- Quem mandou ele falar em diálogo? Não quero diálogo com esquerdistas, com imprensa, com ninguém! Quem manda sou eu. Eu sou a Constituição!

- Calma presidente, o Rodrigo Maia já está olhando para o senhor.

- Quem esse ministro pensa que é? Só porque é genro do Silvio Santos? Eu troco de ministro como troco de cueca, talkey?

A insatisfação do presidente foi potencializada quando o novo ministro elogiou os meios de comunicação tradicionais. "A mídia continua entre as prioridades desse governo", disse o ministro, antes de elogiar indistintamente a TV aberta e fechada, os jornais impressos e os veículos de internet.

O secretário teve que segurar o presidente, que queria tomar o microfone das mãos do ministro:

- Esse cara tá louco?! Quem mandou ele dizer isso? A mídia marronzista nunca foi prioridade no meu governo, entende? Zero! Por mim, eu fechava todas as rádios, TV's e jornais do país. São antros de esquerdistas, produtores de fake news, principalmente a “Folha de São Paulo” e “O Globo”.

Para encerrar seu discurso inflamado e cheio de “esperança” e “amor”, olhando para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um desafeto da família Bolsonaro, o ministro agradeceu a presença de todos os amigos à posse.

Recebeu aplausos dos ministros do STF, que Bolsonaro acusa de tramar sua derrubada e o ministro da Educação chama de “vagabundos”.

Para a plateia presente à posse, a maioria generais, Fábio Faria passou a impressão de que assumiu o Ministério das Comunicações do governo errado.

Ou o ministro muda o discurso ou sua gestão terá vida mais curta que a da Regina Duarte.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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