Coluna

PMs presos por forçar jovens fazer sexo oral

Um dos jovens forçados por PMs a fazer sexo oral junto da mãe (Foto: Reprodução de TV)

Manhã de domingo, céu encoberto por densa nuvem de poluição de resíduos de minério de ferro, véu de macramê roxo, cor da saudade, cobrindo os cabelos longos e encaracolados, precocemente grisalhos, enfiada num tubinho rendado branco, descalça, a imagem da travesti Lica, ajoelhada aos pés do Monumento à Bíblia, inaugurado pelo prefeito Esponjinha, na praça redonda, em Alucard, despertava a atenção das pessoas no vai-e-vem da monotoma rotina da cidade. De repente, não mais que de repente, fiéis católicos que saíram da Igreja do Rosário, depois da missa das 8 horas, fizeram um círculo em torno do símbolo cristão de concreto armado. A curiosidade era em saber o que levou a travesti à reza solitária.

- Athaliba, na calçada do supermercado, junto à praça, encontrei a transexual Mary Help, ao descer a ladeira da Avenida das Rosas, saindo do São Pedro. Ela, “de abajur”, a curta distância, acompanhava a movimentação das pessoas, cochichando umas com as outras. Após me cumprimentar revelou que Lica era sua hospede e que estava de visita a Alucard para curtir a programação da 45ª edição do Festival de Inverno. E, devido ao efeito da recente inauguração do marco à Bíblia nas redes sociais, principalmente nos Municípios da Microrregião do Médio Rio Piracicaba, decidiu fazer preces a Santa Teresa dos Andes para os jovens que foram forçados por PMs a fazer sexo oral um no outro.

- Marineth, que caso absurdo de tortura é esse envolvendo policiais militares?

- Soube não, Athaliba? O caso deixou a população do Rio de Janeiro indignada ao assistir o vídeo, nas redes sociais, no qual mostra PMs e agentes ferroviários da Supervia (empresa que explora a concessão de trens) obrigando dois rapazes de 17 e 18 anos a fazer sexo oral, um no outro, na estação de São Cristóvão. Aconteceu no domingo da decisão da Copa América, na qual a seleção do Brasil se tornou campeã ao ganhar da seleção do Peru por 3 a 1, em partida disputada no Estádio do Maracanã.

- Que trem doido, Marineth!

- Pois é, Athaliba. O vídeo rodou o mundo pela internet e, inclusive, foi enviado à redação de um dos jornais de grande circulação no Rio de Janeiro. Mostrava um dos PMs, pistola na mão, debochando dos jovens durante as cenas de abuso. Apurou-se, como mostrou o amplo noticiário explorado pela mídia durante a semana, sobretudo pelas emissoras de TVs, que os jovens partiram do Município de Paracambi, na Baixada Fluminense, para adquirir maconha na boca de fumo na comunidade de Mangueira.

- Os PMs e os agentes ferroviários foram identificados, Marineth?

- Athaliba, os dois rapazes reconheceram os algozes e relataram na Defensoria Pública do Rio que, além de violentados a sexo oral, foram obrigados a rolar os corpos em fezes e urina no local. A mãe de um deles contou que tomou ciência do vídeo porque seu outro filho a repassou, depois de ter assistido. A juíza Maria Izabel Pena Pieranti determinou a prisão por 30 dias dos seguranças Rafael Souza Marcolino e Carlos Renato da Silva Alamiro, demitidos pela Supervia; e dos PMs Wagner Castro da Silva (lotado em Unidade de Polícia Pacificadora na comunidade da Fazendinha)  e Lenine Venute da Silva Junior, do Batalhão de Choque da PM. Os dois estavam de folga da corporação e faziam “bico” na concessionária.

- Marineth, que ato de sadismo cometido por agentes da lei, heim!

- Trata-se, Athaliba, de crime bárbaro. Algumas das pessoas presas na ditadura no Brasil de 1964 a 1985 revelaram ter sofrido tortura, em pau-de-arara, pimentinha, choque elétrico, afogamento, cadeira do dragão, palmatória e geladeira. Militares e integrantes de força policial foram treinados por especialistas em tortura com a finalidade de difundir os métodos e meios de interrogatórios compilados pela CIA. Essa prática, infelizmente, não desapareceu. Vez por outra acontece em delegacias policiais. Tem o caso de um delinquente considerado muito perigoso que de joelhos, submetido à desmoralização, foi forçado a fazer sexo oral em outros presos, enfileirados.

- Afinal, Marineth, como terminou as preces da travesti Lica no Monumento à Bíblia?

- Ela, Athaliba, atravessou o “corredor polonês” e se juntou a Mary Help, ao meu lado. E disse que, evocando palavras de Teresa dos Andes, “Cristo, esse louco de amor, me fez louca também”, rezou pelos jovens torturados pelos PMs.

- Bem, Marineth, o caso causou indignação no país. Mas, como estamos em pleno Festival de Inverno de Alucard, vamos reverenciar o saudoso poeta Antônio Crispim com o “Congresso internacional do medo”:

“Provisoriamente não cantaremos o amor,
Que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
Não cantaremos o ódio, porque este não existe,
Existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
O medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
O medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
Cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
E sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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