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MAYRINK, UM MINEIRO BOM DE "CAUSOS" E TRAÇOS

Búzios (RJ) - Tímido, como todo bom mineiro, Mayrink vinha evitando conversar com o jornal. Dessa vez, pegamos ele em Búzios e fizemos – eu e o jornalista Gustavo Medeiros – uma ótima entrevista com o cartunista. O papo, para os jornais  “O Folha de Minas” , “Hic!” e o blog “Tribuna HQ”, rolou no boteco Captain´s, do simpático Julinho, no final da Orla Bardot. (Ediel)

Mayrink, Ediel e Gustavo. Entrevista será dividida em três partes (Foto: Divulgação)

Ediel – Mayrink, você é cartunista, jornalista, ilustrador e diagramador. Fale sobre suas origens e do começo de sua vida profissional.

Mayrink – Bom, eu sou mineiro de uma cidadezinha chamada Jequeri (Município do Estado de Minas Gerais – a 220 km da capital). Ainda criança, fui morar em Caratinga, onde com 7 anos comecei a desenhar.

Ediel – Você, com certeza, é o cara mais famoso de Jequeri. Quando morrer vai virar estátua, na praça. (risos) Eu tô fudido, nasci no Rio. (mais risos)

Mayrink – Diz uma lenda que o município se acabará em areia, devido a praga de um padre, insatisfeito com um habitante do local que cortou o rabo de seu burro. (risos)

Gustavo – Como o desenho surgiu na sua vida?

Mayrink – Pois é. Como eu falei, comecei a desenhar com 7 anos. Não sei de onde veio esse dom. Na família Mayrink, ninguém desenha. Minha mãe gostava de desenho, mas não era uma desenhista.

Gustavo – Seu gosto pelo desenho deve ter vindo, então, da sua mãe.

Mayrink – Pode ser. Com 9 ano, a professora viu que eu desenhava e me pegou pra ser o desenhista da escola. Uma vez o mimeógrafo quebrou e eu tive que desenhar o corpo humano para a prova de ciências. Cheguei a desenhar quarenta provas, imagina! Desde criança o cartunista já era explorado. (risos)

Ediel – Como foi sua vinda para o Rio?

Mayrink – Eu vim para o Rio de Janeiro, vindo de Caratinga, em 1964. Eu sempre quis ser cartunista. E vim em busca desse sonho.

Ediel – Você já publicava seus desenhos lá em Caratinga?

Mayrink – Não. Eu era só um garoto sonhador do interior do Brasil, que achava que desenhava. Então, vim pro Rio tentar realizar esse sonho. O primeiro cartunista que eu procurei aqui foi o Ziraldo. Ele era o cartunista que eu mais ouvia falar lá em Caratinga. Ziraldo, era de lá. E ainda lá em Caratinga, eu tinha um vizinho que me dizia pra procurar, aqui no Rio, um desenhista da revista “O Cruzeiro” que era de Caratinga e poderia me ajudar. Era o Ziraldo. Ele fazia o Saci Pererê na “O Cruzeiro”, revista de muito sucesso, na época que funcionava ali na Saúde (bairro do Rio de Janeiro), numa casa com uma sala pequenininha. Quando cheguei lá, ele já não estava mais na revista. Aí, então, me apresentaram ao Carlos Estevão, desenhista que fazia O Amigo da Onça, personagem do Péricles, que havia se suicidado. Ele não mostrou muito entusiasmo. E eu voltei pra Caratinga decepcionado.

Ediel – O Nani que, como você, também veio de Minas. Veio pro Rio procurar o Ziraldo. Você veio encontrar-se com o Ziraldo ou conheceu o cartunista já aqui no Rio?

Mayrink – Não. Eu não o conhecia pessoalmente. Ouvia muito falar nele, na cidade. Ele já fazia sucesso aqui no Rio. E eu queria vir pro Rio que era onde estavam os grandes cartunistas brasileiros.

Ediel – O Eldorado do cartum! (risos)

Mayrink – E de volta à Minas, alguém me falou: “Garoto, você mostrou seus desenhos pro cara errado. Tem que mostrar pro Ziraldo que é aqui da cidade.” Mas o Ziraldo tinha saído da “O Cruzeiro” e eu não tinha idéia de onde ele morava. Então tive a ideia de procurar o pai dele, seu Geraldo, que era gerente no Banco de Minas. O pai dele me disse que ele estava na TV Rio. E me mandou procurar ele lá. Então eu voltei pro Rio e fui procurar ele na extinta TV Rio, alí no Posto 6, em Copacabana. Ele ilustrava uma charge falada, como essa que o Chico Caruso faz hoje na TV Globo. Mostrei meus trabalhos e ele disse: “Garoto, você tem que vim para o Rio. Não pode ficar em Caratinga. Lá não tem mercado pra desenho de humor”. Então, eu voltei pra Minas peguei minhas coisas, meus desenhos e fui pro Rio, ao encontro do Ziraldo. E quando cheguei lá, adivinha?… Ziraldo não estava mas lá. (risos)

Ediel – O gato e o rato. (risos) E aí?

Mayrink – Me disseram que ele trabalhava na revista “Visão”. E eu lá sabia onde ficava a revista!? (fazendo cara de desanimado) Bem, aí eu fui na banca de jornal e comprei uma “Visão”. Peguei o endereço e fui lá. A revista ficava ali na Av. General Justo, no Aeroporto.

Gustavo – Então, finalmente, você achou o Ziraldo?(risos)

Mayrink – Achei. Ele era diretor de arte, lá. Quando eu cheguei na revista ele falou: (entusiasmado) “Poxa, garoto, pensei em você hoje!” (risos). “Tô precisando contratar alguém pra me ajudar aqui, mas eu não tinha seu telefone…” Aí pronto, eu, um garoto do interior, recém-chegado na cidade grande, já tinha um emprego de aprendiz de diagramador. (risos) Comecei a trabalhar na “Visão” como assistente de arte dele. Em 1967, ele foi pro “Jornal dos Sports” fazer um suplemento humorístico chamado “Cartum JS” e lá ele me lançou como cartunista profissional. Do “Jornal dos Sports”, eu fui publicar no “Jornal do Brasil”, “Correio da Manhã”, “Última Hora”, “Diário Comércio & Indústria”, “Jornal da Tarde” (SP) e nas revistas “Visão”, “Senhor” e “Tendência”. Também fui colaborador do “Cartoonist & Writers Syndicate”, dos Estados Unidos.

Gustavo – Mayrink é nome ou pseudônimo?

Mayrink – Nome. Meu nome é Manoel …

Ediel – Como o Manuel José de Araújo Porto Alegre, cartunista que publicou a primeira charge no Brasil?(risos)

Mayrink – (rindo) Quase. Manoel Caetano Mayrink.

Julinho (o dono do Capitain´s ) chega com o nosso peixe e interrompe a entrevista.

Julinho – Olha o peixe!!!

Gustavo – No capricho, Mayrink! Só porque ele (apontando pro dono do boteco) também é de Minas!

Julinho – Eu morei alí perto de Jequeri. Meu pai tinha uma fazenda em Santo Antônio do Grama.

Mayrink – Conheço. Morei em Ponte Nova, Raul Soares…

Julinho – Eu sou de Rio Casca.

Ediel – (voltando a entrevista) Você era de uma família classe média?

Mayrink – Não, eu era de uma família muito pobre. Meu pai era pedreiro, lutava muito pra sustentar seis filhos.

Ediel – Chegando no Rio, onde você foi morar?

Mayrink – Eu fui morar em Bonsucesso, na Rua Teixeira de Castro. Tinha alí uma favela chamada Parque Santa Luzía. Morei alí muitos anos. Até que a situação na “Visão” começou a melhorar e eu me mudei pra Ramos. Junto com a situação financeira, a minha vida profissional também melhorou muito nos três anos em que trabalhei com o Ziraldo. Ele me ensinou a diagramar, ilustrar… Eu queria ser desenhista de quadrinhos, então eu tinha o vício de criar fundos com muitos detalhes. Aí ele falou: “Garoto, se você quiser viver como quadrinhista no Brasil, vai morrer de fome! Até eu tô parando de desenhar o Saci Pererê. Os caras não compram. Eles preferem comprar o Mickey, Pato Donald…lá fora, do que pagar um desenhista nacional. Faz cartum, mas coloca menos detalhes no desenho, senão você tira o foco, o impacto da mensagem, que é o que realmente importa”. Isso em 1966. Maurício de Souza ainda não tinha entrado no circuito.

Ediel – Além do Ziraldo, que outro cartunista você conheceu nesta época que era boêmio, bom de copo?

Mayrink – O Fortuna, que fazia no “Correio da Manhã” um tablóide de humor chamado “Manequinho”, bebia bem. O Jaguar, bebia. Jaguar era hors concours. (risos) Ziraldo gostava de um uisquezinho! E tinha um caderno de humor chamado “O Centavo”, editado pelo Ziraldo e o Fortuna, na revista “O Cruzeiro”, que tinha lá uma turma talentosa que bebia bem. Tinha o Appe, Millôr, Carlos Estevão, Alceu Penna…

Ediel – Todos nós começamos copiando alguém. Influenciados por alguém. Uma vez, o cartunista Otélo Caçador, do jornal “O Globo”, numa entrevista, me disse que não existe geração espontânea, que todos nós começamos copiando alguém. Em quem você se inspirou?

*Continua na próxima coluna, quarta-feira.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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