Coluna

Lula e o Poder Judiciário

O texto que se segue foi editado pelo Jornal do Brasil em  30 de abril de 2003.
 
A republicação é oportuna num momento em que Lula está sendo julgado pelo Poder que ele criticou.
 
Por ocasião da publicação original, o artigo teve ligação com críticas feitas ao Poder Judiciário, pelo então Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
 
Segue-se o artigo, em itálico.
 
Não me parecem inoportunas e impróprias as críticas feitas pelo presidente Lula ao Poder Judiciário. Nem vejo nada de estranho em sua manifestação favorável ao controle externo da magistratura.
Lula foi eleito diretamente pelo povo. Carrega as esperanças do eleitorado que lhe conferiu o mandato. O povo tem reservas gravíssimas ao Poder Judiciário. Lula não fez senão expressar os sentimentos da população.
 
Observe-se que a crítica foi feita ao Poder Judiciário como instituição, como engrenagem. Não se referiu Lula a pessoas de magistrados, nem em conjunto, nem em caráter individual.
 
Não é novo o desapontamento do povo relativamente à Justiça. Nova é a prática diuturna da democracia. Agora o povo sabe que tem direito à palavra e expressa suas insatisfações.
No período ditatorial, publicamos um livro (A Função Judiciária no Interior, 1977), no qual constatamos que, segundo a percepção do povo: a) ricos e pobres são tratados diferentemente pela Justiça; b) a Justiça não resolve os conflitos que lhe são apresentados; c) a Justiça não está ao alcance do povo; d) a Justiça é demorada; e) a Justiça é cara.
 
O posicionamento de Lula foi rechaçado com veemência pela cúpula do Poder Judiciário num momento da História do Brasil em que as divergências podem ser colocadas.
 
Em congresso nacional de magistrados, em Goiânia, durante a ditadura militar, apresentamos proposta pedindo a volta do ''estado de Direito'' e a devolução das garantias da magistratura. A proposta foi recusada, de maneira fragorosa, pelo plenário. O episódio é registrado em livro pelo magistrado Lédio Rosa de Andrade.
 
Quanto ao ''controle externo do Poder Judiciário'', esse mecanismo destinado a corrigir eventuais falhas ou abusos no funcionamento da Justiça é defendido por muitas vozes do mundo jurídico. De minha parte, ainda como magistrado da ativa, propugnei pela medida. Nenhum poder ou autoridade pode ser incontestável e incontrolável. O que caracteriza a democracia é o controle de um poder pelo outro e o controle do conjunto dos poderes pela sociedade civil.
 
Durante muito tempo a Justiça esteve ''acima de qualquer suspeita''. Não que estivesse imune a desvios mas porque o sentimento de cidadania não tinha chegado ao ponto de entender que a Justiça pode e deve ser fiscalizada, elogiada, criticada.
 
As declarações de Lula constituem, a meu ver, um serviço à cidadania, e não um desserviço, como afirmaram presidentes de tribunais.
 
 
*João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado (ES), professor, escritor, palestrante. Autor, dentre outros livros, de: Direito e Utopia (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre).

João Baptista Herkenhoff (ES)

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Direito e Cidadania

JOÃO BATISTA HERKENHOFF, é Juiz de Direito aposentado. Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e também um dos fundadores do Comitê Brasileiro da Anistia (CBA/ES). Por seu compromisso com as lutas libertárias, respondeu a processo perante o Tribunal de Justiça (ES), tendo sido o processo arquivado graças ao voto de um desembargador hoje falecido, porém jamais esquecido. Autor de Direitos Humanos: uma ideia, muitas vozes (Editora Santuário, Aparecida, SP).

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