Coluna

Comissão da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade encerrou seus trabalhos e entregou os resultados do esforço à Presidente da República.

Dilma chorou ao receber o relatório. Não foi a Presidente que chorou, mas sim a mulher, a mãe, o ser humano, aquela pessoa que sofreu no corpo e na alma as chagas da tortura.

Esse choro comoveu o Brasil porque nosso povo tem coração. Bendito coração brasileiro, bendito coração das heroínas Bárbara Heliodora (Inconfidência Mineira), Maria Quitéria e Joana Angélica, que pegaram em armas para defender a Independência.

Resgatar o passado não tem o acento da vingança. Não se recapitulam os fatos com laivos de ódio, mas com a finalidade pedagógica de advertir, principalmente os jovens, para que jamais aceitem a tese que justifique a tortura, nesta ou naquela situação.

Nada autoriza o ato de torturar. É sempre inaceitável, seja para descobrir um crime, seja para castigar, seja como advertência intimidadora, seja em nome do interesse nacional. Essa prática ignominiosa fere o torturado e degrada o torturador.

Esta é a grande lição da Comissão Nacional da Verdade e das Comissões Estaduais ou Setoriais fundadas no mesmo objetivo de revelar fatos históricos que mancharam nosso passado.

Não se tenha como prioridade a decisão de punir pessoas envolvidas nesse crime hediondo. Muitos morreram e só simbolicamente a memória poderia ser punida. Outros estão muito idosos e até inválidos. Além disso, alguns agentes da barbárie não tinham plena consciência da enormidade e injustiça dos atos que estavam praticando. Justamente porque a imprensa circulava sob censura, somente a versão oficial era divulgada e, na versão oficial, tratava-se de defender a Pátria contra seus inimigos. A defesa da Pátria era álibi para a brutalidade.

O mais importante é descerrar o véu que cobriu, protegeu e justificou a ignomínia. Vejo as Comissões da Verdade, muito mais olhando com Esperança para o futuro, do que debruçando-se com Asco sobre o passado.

Quando o projeto das Comissões da Verdade foi anunciado, alguns críticos impugnaram a ideia, dizendo que se tratava de uma revanche.

A objeção é, de todo, equivocada.

As Comissões da Verdade têm a finalidade ética e humanitária de dar a palavra aos torturados, permitindo que manifestem a revolta à face do que sofreram, pois um sofrimento suplementar que lhes foi imposto consistiu no silêncio a que foram submetidos.

A Bíblia, que é um livro santo, diz que a palavra liberta (João, 8, 32). O direito de falar, que lhes foi negado, as Comissões da Verdade estão lhes restituindo.
 
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor e escritor.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
Site: www.palestrantededireito.com.br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520

João Baptista Herkenhoff (ES)

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Direito e Cidadania

JOÃO BATISTA HERKENHOFF, é Juiz de Direito aposentado. Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e também um dos fundadores do Comitê Brasileiro da Anistia (CBA/ES). Por seu compromisso com as lutas libertárias, respondeu a processo perante o Tribunal de Justiça (ES), tendo sido o processo arquivado graças ao voto de um desembargador hoje falecido, porém jamais esquecido. Autor de Direitos Humanos: uma ideia, muitas vozes (Editora Santuário, Aparecida, SP).

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