Coluna

Diretor do Trilho alijado por perfídia, em Alucard

- Athaliba, corre à boca pequena, de pé-de-ouvido em pé-de-ouvido, que Amadeu, o todo poderoso diretor do jornal O Trilho, foi defenestrado pelo sogro, o dono da publicação, por causa de adultério. E você nem imagina quem foi o pivô do escândalo. Trata-se de traição inusitada no seio da própria família.

- Uai, Marineth, que trem doido é esse, agora? Tem Judas Iscariotes como principal ator no caso?

- É isso mesmo, Athaliba. O filho dedurou o pai. Na hora do jantar, família posta à mesa, ele contou que o pai mantinha relações sexuais às escondidas com a Lica, secretária do jornal. A revelação correu como rastilho de pólvora, espalha brasa. Provocou mal-estar e bate-boca às alturas, alarmando vizinhos, no sofisticado edifício no centro histórico da cidade. Às cabeceiras da mesa, em cada ponta, o casal Toledo e Nininha enquadrou o genro Amadeu, enquanto Isabelita derramava um rio de lágrimas, histérica. A mulher de Amadeu, mimada e alienada, jogou todas as travessas para o alto: galheteiro de prata com temperos, as vasilhas de vidro para sobremesas, copos, pratos e outros utensílios. De faca em punho ameaçava cravar no peito do adultero.

- Confusão barulhenta demais, Marineth.

- Cê nem imagina, Athaliba. Amadeu foi defenestrado do apartamento com a roupa do corpo. Está sumido de vista. Dizem que escondido na casa de rico empresário, que tem dívida de gratidão com ele.

- Sabe mais detalhes da bagaça, Marineth?

- Athaliba, é mio não aprofundar. O trem é de rachá os bico.

- Deixa de rodeios. Coloca essa trenheira com nhaca prá fora, muié.

- Oiprôcêvê, Athaliba. Numa cervejaria, perto de um ponto de táxi, conversei com Natalina, colunista social de O Trilho, metida até a alma com as intrigas da classe burguesa da provinciana Alucard. Aproveitando-se do atraso político, social e cultural da cidade, ela se acha a rainha da cocada, envolvida com os falsos “famosos” e “celebridades”, essas expressões inúteis, babacas, que rotulam pessoas com algum destaque em suas atividades. Natalina nunca irá compreender que o jornalismo é uma atividade política e não técnica, que tem compromisso social.

Bem, contou-me algumas das artimanhas do Amadeu. Ele, aproveitando-se de matéria do repórter Dantas, que denunciava clínica clandestina de aborto, tomou muito dinheiro do “fazedor de anjos” para deixar de publicar outras reportagens sobre o assunto. Ainda, do mesmo jornalista, não publicou matéria investigativa que denunciava a venda de produtos alimentícios deteriorados em rede de supermercado, que pagava vultosa quantia por anúncio de página cheia no jornal.

- O cara é “gato-mestre” em extorquir, Marineth. Essa atitude antiética dele tem o jargão de paraquedas. Os corruptos a utilizam para extorquir dinheiro de pessoas em situações irregulares. Um caso que teve grande repercussão envolvia policial que extorquiu dinheiro de rico empresário da construção civil, ao ver o nome do primogênito do dono de empreendimento imobiliário na lista de compradores de drogas, apreendida com traficante. Ele telefonou para o empresário e avisou que iria divulgar o caso n’O Trilho. Acabou preso em flagrante, embolsando o dinheiro, que apelidava de “capilé” e “papel bordado”.

- CreinDeuspai, Athaliba. Mas tem outros causos do Amadeu que Natalina narrou. Ela me segredou, constrangida, que para conseguir ser colunista do periódico teve que se submeter ao “teste do sofá”, fazendo sexo oral em Amadeu até ele chegar ao orgasmo. E, expressão facial de nojo, pediu licença para ir ao banheiro. Ao retornar disse que sente vômito sempre que se lembra do caso. Contou que ele a pautava para cobrir festas de “celebridades” e cerimônias de órgãos públicos e instituições organizadas da sociedade civil, dando ênfase às pessoas de altos cargos. Depois das notícias publicadas com fotos de destaque, ela tinha que entregar falsos recibos aos principais personagens das matérias para cobrar pelo serviço.

- Esse estilo de extorsão é antigo, Marineth.

- Amadeu, por exemplo, Athaliba, pautava reportagens com artistas escolhidos a dedo, que têm apenas vaidade em aparecer na mídia, com carreira artística medíocre. Após a publicação da reportagem, recheda de perguntas e repostas desconectadas do contexto da realidade, ele fazia recibo para cobrar como se fosse matéria paga. Com isso arrancava os olhos da cara de incautos e fazia o pé-de-meia pessoal, cujo dinheiro não entrava na contabilidade da empresa.

- E, Marineth, infelizmente, essa prática nefasta de extorsão é exercida pela “imprensa marrom”. Essa expressão surgiu no Brasil no final da década de 1950, no jornal Diário da Noite. A redação recebeu informação que uma revista extorquia dinheiro de pessoas em situações comprometedoras. O jornalista Alberto Diniz preparava a manchete “Imprensa amarela leva cineasta ao suicídio”, mas, aí, o chefe de redação, Calazans Fernandes, sugeriu substituir o termo amarelo por marrom, dando caráter mais trágico à notícia, considerando que o amarelo era cor amena. Afora ter criado a expressão, a manchete do jornal cooperou para o fim da revista.

- Muito bem, Athaliba. Esperamos que agora, com o Amadeu defenestrado, O Trilho possa prestar relevantes serviços a Alucard, cidade do nosso saudoso poeta Antônio Crispim e que tá em fase terminal, cercada por milhões e milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro em mais de uma dezena de barragens da Yale. O minério gera divisa pro país, mas leva Alucard para as profundezas da cratera do Pico do Acuã, a identidade da cidade que sumiu do mapa na exploração desenfreada da mineração.

- Por falar no poeta, Marineth, lembrei-me do poema Foi-se a Copa?, que emprego para saudar a Copa América que o Brasil sediará de 14 de junho a 7 de julho.

 

Adeus chutes e sistemas.

A gente pode, afinal,

Cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?

Perdura a inflação de fato.

Deixaremos de ser tontos

Se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,

Havendo tenacidade,

Ganhará, rijo, e de cheio,

A Copa da Liberdade.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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